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Gramado do Maracanã coleciona sete décadas de maratona de jogos e reclamações; relembre

“Estou contente em ter voltado ao Maracanã como titular… Fiz força para não decepcionar, mas senti um pouco o estado do gramado…” Essa frase poderia ter sido dita por qualquer jogador que pisou recentemente no estádio, que ficará fechado nos próximos dias para recuperar o piso. Mas foi em março de 1964, após a vitória do Palmeiras sobre o Bangu pelo Torneio Rio-São Paulo. E saiu da boca do craque alviverde Ademir da Guia, que foi seguido por companheiros na reclamação, como Zequinha, que afirmou que, por causa do gramado, “o esforço valeu por duas partidas”.

A partida era apenas a segunda no estádio após uma interdição de três meses justamente para recuperar o gramado. No ano anterior, o campo havia passado pela primeira “reforma” desde a inauguração. As aspas merecem destaque, pois, na verdade, só trocaram algumas partes mais detonadas, quando o replantio total era necessário.

Mas qual a grande dificuldade de manter o gramado do estádio em perfeitas condições desde 1950? A resposta, em qualquer década que seja, é apenas uma: o Maracanã não pode parar e tem que caber nas necessidades esportivas e políticas.

—Todo mundo quer o lucro do público, mas não pensa nesse lado. O gramado paga o preço. O ideal seria um jogo por semana, ou, no máximo, 60 partidas não concentradas — diz o professor da Unesp Leandro Godoy, especialista em fertilidade do solo, gramados esportivos e ornamentais.

Se números como os do ano passado saltam aos olhos — 70 partidas disputadas por Flamengo, Fluminense e seleção brasileira —, ao se olhar para trás, o espanto é maior.

O Maracanã ficará fechado até o fim de julho para recuperar o estado de seu gramado

O Maracanã ficará fechado até o fim de julho para recuperar o estado de seu gramado Foto: Guito Moreto

 

Em 1970, por exemplo, a própria Adeg (predecessora da Suderj), por meio do presidente Aberllard França, expôs a situação fora do comum e determinou o fechamento do estádio para troca total do gramado por dois meses. Na contabilidade do órgão, foram 211 partidas em uma temporada, sendo 100 jogos preliminares, chegando a oito jogos por semana — um pisoteio de mais de 10 mil pés, que causa a compactação do solo, enfraquecendo as raízes e o metabolismo da grama.

Foram, em comparação com 2021, três vezes mais jogos, pés e chuteiras castigando o gramado do Maracanã. Castigo maior só quando, a partir dos anos 1980, o estádio passou a ser palco de shows, com toneladas de equipamentos e pessoas pisoteando o campo. Motivo para reclamações:

— Além de tornar o espetáculo feio, um gramado ruim prejudica os atletas, que podem sofrer lesões — disse à época o então técnico do Flamengo, Carlinhos, que levou o time a campo para a semifinal da Copa União diante do Atlético-MG, dois dias após o show do cantor britânico Sting, em 1987.

Mas aqui valem algumas ponderações. São tempos, tecnologias e futebol diferentes. A grama de antigamente, por exemplo, era de um tipo mais densa e resistente. Porém, havia o risco de mais lesões por causa da tração.

Além disso, o jogo de hoje é muito mais intenso do que há 50 anos. Nos anos 1970, em média, um jogador percorria de 4km a 7km na partida. Atualmente, a distância varia de 9km a 11km. Os gramados, seguindo as determinações da Fifa para a Copa, foram padronizados num tamanho menor. Ou seja, o jogo ficou mais veloz e compacto.

Para o Mundial de 2014, houve a exigência de ampliar a cobertura do Maracanã, aumentando a sombra no setor Norte, que não recebe luz natural por mais da metade do ano: problema solucionado com luz artificial, entre outras tecnologias que fazem ações preventivas e tentam compensar o excesso de uso do gramado.

Os melhores campos europeus, por exemplo, recebem, no máximo, 40 jogos num ano. Wembley, entre junho de 2021 até o momento, foi palco de 19 partidas.

— A preocupação com o gramado acompanhou as necessidades do futebol moderno de excelência e de imagem de alta resolução que exigem um campo perfeito. Há tecnologia para manter isso, mas o excesso de jogos atrapalha. O inverno, por exemplo, é a pior época para o gramado e é justamente quando temos maior concentração de jogos. A grama é um ser vivo e precisa de descanso para se recuperar. Não há milagre — afirma Luís Felipe Costa, engenheiro agrônomo da Greenleaf, responsável pelo gramado do Maracanã, que garante que não serão necessárias outras interdições do estádio até o fim do ano.

Para preservar o gramado, três partidas precisaram ser remarcadas para outros estádios, sendo duas do Flamengo (contra Coritiba, no último sábado; e Juventude, quarta) e uma do Fluminense (diante do Bragantino, no dia 24).

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