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Crianças de favelas do Rio são selecionadas e vão concorrer a vagas do balé Bolshoi

O futuro na ponta dos pés. Oito crianças de favelas do Rio estão a um jeté de ingressar numa das escolas mais conceituadas de balé do mundo, a Escola Bolshoi, em Joinville, Santa Catarina. Elas se destacaram numa seleção feita com 110 crianças, entre 8 a 11 anos, mesmo sem ter qualquer contato com a dança. O movimento final acontece nos dias 7 e 8 de outubro, quando será a grande final nacional, na sede da escola russa no Brasil.

— Não é preciso conhecimento em dança para ingressar no primeiro ano. Às vezes, a criança traz isso de forma nata ou consegue desenvolver por meio de outros esportes ou meios artísticos, como capoeira, ginástica olímpica ou até subindo em árvore — explica Sylvana Albuquerque, coordenadora do processo seletivo do Bolshoi.

Em busca de uma das 40 vagas para o primeiro ano, estão quatro crianças do Projeto Vidançar, do Complexo do Alemão; duas do Instituto Verde Criando Vidas, do Engenho da Rainha; uma do Projeto Luar da Dança, de Duque de Caxias; e outra do Instituto Mundo Novo, de Mesquita.

— O importante é dar oportunidade. Muita gente acha que criança da comunidade não tem talento ou, se tem talento, não tem oportunidade. E elas estão aqui para provar que têm as duas coisas — diz Amanda Visa, do Instituto Verde Criando Vidas, no Engenho da Rainha, que atende a 120 crianças, entre 3 e 18 anos.

À frente do projeto Vidançar, que completa 12 anos em outubro transformando vidas no Complexo do Alemão, Ellen Serra acredita que foram escolhidas as que mais precisavam dessa oportunidade.

— Essas crianças são pura inspiração dentro da comunidade em que vivem com a violência física, violência da fome e rodeadas de falta de oportunidade. É transformador ver uma escola como o Bolshoi ter essa consciência em territórios onde as pessoas não têm acesso — disse Ellen.

Esse olhar social existe desde que a instituição nasceu, em Moscou, em 1773.

— Ela veio com essa condição de dar oportunidade para talentos se desenvolverem dentro de uma escola técnica com bolsa integral e colocá-los no mercado profissional de dança em qualquer lugar no mundo — explica Sylvana. — Quando a escola foi criada em Moscou foi pensando nas crianças órfãs, e carregamos esse DNA com a gente.

Com 19 anos de atuação na Chatuba, em Mesquita, o Instituto Mundo Novo terá um representante na semifinal, orgulho máximo para o projeto que acolhe 200 alunos na Baixada, mesmo sem o resultado da etapa nacional.

— A arte liberta do muro da pobreza. Kauã já é vitorioso porque acreditou no seu sonho e rompeu todos os padrões — diz a Bruna Simãozinho, do Mundo Novo.

Dois dos quatro meninos do grupo são do Instituto Verde Criando Vidas. Com 13 anos, Victor Nascimento Santos via as primas dançarem e pediu para entrar no balé. Foi quando passou a fazer aulas no instituto. Para ele, ir para o Bolshoi é uma oportunidade de dar uma guinada na vida. Ele sabe da grande mudança que conquistar a vaga na escola representa, mas já está preparado para isso.

— Já pedi para meus amigos não chorarem porque estou indo atrás do meu sonho — disse ele, já de olho no futuro.

Karina Hevelyn da Silva, 10 anos, perdeu os pais e foi adotada por Maria Madalena junto com os três irmãos. A avó acompanha ela em todos os ensaios a aulas. Essa união não será desfeita. Caso ela seja aprovada, vai todo mundo junto para Joinville. E sobre saudade? Ela também já sabe o que fazer quando tiver saudades dos amigos, caso tenha que se mudar de estado.

— Tenho Instagram, posso falar com eles por lá — diz a jovem bailarina, que também faz aulas no Theatro Municipal, sempre acompanhada da avó, Maria Madalena.

Aos 10 anos, Maria Eduarda dobrou o tempo dedicado ao balé até o dia da grande final, o que para ela é esforço algum.

— Desde que entrei no balé sou mais feliz, mais alegre. Quero servir de inspiração para que outras meninas façam o mesmo — disse ela que, além dos treinos no Vidançar, ainda ensaia por conta própria em casa.

A avaliação final será feita em duas etapas. A primeira será médico-fisioterápica, para observar aptidão física numa avaliação de um time multidisciplinar de médicos e professores de educação física. A segunda será artística, em que serão apreciados o lado musical e a parte cognitiva.

— Não será uma aula de educação física, nem de dança. Será uma aula lúdica para avaliar a capacidade de desenvolvimento de cada um, principalmente dentro do método vaganova — descreve Sylvan, referindo-se ao método criado no século XX pela bailarina russa Agrippina Vaganova, que busca o aprendizado de forma gradual a partir da consciência corporal do aluno a cada movimento, usado pela escola.

Para um grande final de aplaudir de pé, é preciso também conseguir verba para levar os vencedores e seus responsáveis para a jornada de três dias em Santa Catarina, e os grupos estão lançando campanhas para arrecadar dinheiro.

— Precisamos comprar passagens e arcar com as demais despesas necessárias para que nossos alunos possam viajar, com seus acompanhantes — completou Ellen.

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