Califórnia aprova projeto de lei para punir médicos que espalham informações falsas; entenda
Tentando encontrar um equilíbrio entre liberdade de expressão e saúde pública, o Legislativo da Califórnia aprovou na segunda-feira um projeto de lei que permitiria aos órgãos reguladores punir médicos por divulgar informações falsas sobre vacinas e tratamentos para a Covid-19.
O projeto, se assinado pelo governador Gavin Newsom, tornaria o estado da California o primeiro a tentar legislar um remédio para um problema, que a Associação Médica Americana, entre outros grupos médicos e especialistas diz ter piorado o impacto da pandemia, resultando em milhares de hospitalizações e mortes desnecessárias.
A lei designaria a divulgação de informações médicas falsas ou enganosas a pacientes como “conduta não profissional”, sujeita a punição pela agência que licencia os médicos, o Conselho Médico da Califórnia. Isso pode incluir a suspensão ou revogação da licença de um médico para exercer a medicina no estado.
Embora tenha levantado preocupações sobre a liberdade de expressão, os defensores do projeto de lei disseram que o grande dano causado por informações falsas exigia responsabilizar médicos incompetentes ou mal intencionados.
— Para que um paciente dê consentimento, ele precisa estar bem informado— diz o senador estadual Richard Pan, democrata de Sacramento e coautor do projeto. Pediatra e proeminente proponente de exigências de vacinação mais fortes, ele disse que a lei pretende acabar com “os casos mais notórios” de pacientes deliberadamente enganados.
A legislação da Califórnia reflete as crescentes divisões políticas e regionais que perseguiram a pandemia desde o início nos EUA. Outros estados foram na direção oposta, buscando proteger os médicos de punições por conselhos reguladores, inclusive por defender tratamentos envolvendo hidroxicloroquina, ivermectina e outros medicamentos que a Associação Médica Americana e diversas organizações mundiais dizem não ter benefícios comprovados contra a Covid.
Se promulgada, a lei pode enfrentar um desafio legal. O governador Newsom, que tem três semanas para assinar a legislação, ainda não se posicionou publicamente a respeito.
Enquanto outras nações criminalizaram a disseminação de desinformação sobre vacinas – e têm taxas de vacinação mais altas – a resposta dos estados e do governo dos EUA se limitou, em grande parte, a combater equívocos com informações precisas, segundo Michelle Mello, professora de direito e política de saúde da Universidade de Stanford.
Ela observou que mesmo as leis que citam um “interesse convincente”, como saúde e segurança pública para a desinformação, corriam o risco de ter um efeito assustador, um padrão da Primeira Emenda para muitos tribunais.
— Iniciativas como essa serão contestadas no tribunal e serão difíceis de sustentar. Isso não significa que não seja uma boa ideia — afirmou.
A resposta da Califórnia segue um aviso do ano passado da Federação Nacional de Conselhos Médicos Estaduais de que os conselhos de licenciamento deveriam fazer mais para disciplinar os médicos que compartilham alegações falsas. A Associação Médica Americana também alertou que a disseminação de desinformação viola o código de ética que os médicos licenciados concordam em seguir.
A medida estava entre uma enxurrada de projetos de lei relacionados a Covid-19 propostos por um grupo de trabalho legislativo que atraiu forte oposição de legisladores e eleitores. Alguns dos projetos mais controversos pararam ou morreram, incluindo um que exigiria que todas as crianças em idade escolar na Califórnia fossem vacinadas.
À medida em que a legislação passava pelo Legislativo, seus patrocinadores estreitavam escopo para lidar diretamente com a interação direta dos médicos com os pacientes. Ele não aborda comentários on-line ou na televisão, embora esses tenham sido a causa de alguns dos casos mais impactantes de desinformação sobre a Covid.
— Informações imprecisas espalhadas por médicos podem ter influências perniciosas em indivíduos com impacto negativo generalizado, especialmente através da onipresença de celulares e outros dispositivos conectados à Internet em pulsos, desktops e laptops que alcançam milhares de quilômetros para outros indivíduos em um instante — escreveu a Federação of State Medical Boards em um relatório, em abril —O status e os títulos dos médicos dão credibilidade às suas reivindicações.
A legislação não exigiria a suspensão ou revogação da licença de um médico, deixando tais determinações para o Conselho Médico da Califórnia. Pretende-se sujeitar a divulgação de informações falsas sobre a Covid-19 às mesmas regras que outros tipos de “conduta antiprofissional” assumidas pelo conselho.
A legislação define desinformação como falsidades “disseminadas deliberadamente com intenção maliciosa ou com intenção de enganar”. Entrando nos debates às vezes conflituosos sobre tratamentos alternativos e, muitas vezes, não comprovados para a Covid, o projeto de lei define a desinformação como a disseminação de informações “que são contrariadas pelo consenso científico contemporâneo contrário ao padrão de atendimento”.
Ele diz que os médicos têm “o dever de fornecer a seus pacientes informações precisas e baseadas na ciência”. Isso inclui o uso de vacinas aprovadas, que têm sido objeto de debates acirrados e ativismo político em todo o país, embora haja amplo consenso entre os profissionais médicos sobre sua eficácia.
Um grupo chamado “Médicos pelo Consentimento Informado” se opôs à legislação, dizendo que silenciaria os profissionais. O grupo entrou com uma ação neste mês para buscar uma liminar que impeça o Conselho Médico da Califórnia de disciplinar médicos com base em acusações de desinformação. Em seu processo, chamou a definição de desinformação da legislação de “desesperadamente vaga”.
Em uma carta recente ao cirurgião geral Vivek Murthy, James L. Madara, executivo-chefe da Associação Médica Americana, disse que a desinformação ao redor das vacinas contribuiu para a ignorância entre o público que piorou o impacto da pandemia.
— O resultado mais lamentável disso foi a hesitação e a recusa significativa da vacina entre certas comunidades e determinados grupos demográficos, resultando em taxas mais altas contínuas de doenças graves, hospitalização e morte por Covid-19 nessas populações, resultados amplamente evitáveis com a vacinação — ele escreveu.