‘Explana’, o novo bullying digital: perfis com ofensas viraram febre entre adolescentes do Rio
Uma nova modalidade de cyberbullying fez deflagrar grave crise de depressão em X., de 16 anos, no mês passado. Um perfil “explana”, no Instagram, seguido por alunos de uma escola pública no Anil, em Jacarepaguá, onde a adolescente cursa o 9º ano, postou que ela teria traído o namorado e publicado vídeos íntimos na internet. A garota, que havia acabado de terminar um relacionamento, se desesperou e precisou de ajuda médica. A direção do colégio tentou, mas não conseguiu descobrir quem administra o perfil, nem tampouco quem foi o autor da ofensa. Apenas identificou que o IP (endereço de protocolo na internet) é da região de Rio das Pedras.
Com diferentes sufixos e prefixos, alguns com siglas e nomes e fotos de unidades escolares agregados, os perfis “explana” nas redes sociais viraram febre, nos últimos meses, entre adolescentes do Rio, da Zona Sul à Oeste, e mesmo fora da capital. Além de fazer fofoca, se propõem a difamar pessoas. São criados sobretudo no Instagram, mas já chegaram ao Facebook e ao Twitter. Uma tática para evitar que sejam retirados do ar, tem sido priorizar as chamadas stories, que somem em 24 horas, embora haja espaço para publicações permanentes.
— Uma professora da minha escola me chamou e me mostrou o que publicaram. Fiquei desesperada. Ligo, sim, para o que os outros vão pensar. Era tudo mentira, mas estavam me desmoralizando. — reage X.
A mãe dela, que saiu às pressas do restaurante onde trabalha quando foi alertada sobre o estado emocional da filha, ficou indignada:
— É muita malícia e muita maldade de quem faz isso. O que fizeram foi fora do imaginável. Minha filha tem depressão, e acabou tendo uma crise gravíssima.
Alguns perfis
Alguns perfis “explana” Foto: Editoria de Arte
No Instagram, uma dessas contas, que se diz da Zona Norte, chegou a ter 1.748 seguidores. Outra, terminada em .rj, ilustrada por uma mão junto a um rosto com o gesto de silêncio, é acompanhada por 984 pessoas. Entre seus seguidores, uma mãe encontrou colegas da filha que estudam no segundo segmento do ensino fundamental de escolas de classe média alta da Zona Sul.
Entre publicações com fotos de vítimas que constam de feed — o espaco que reúne as postagens —, há insultos como “levou porrada (sic) do gay, girou igual ventilador”; “gostosinha, mas fede”; “mo (sic) baleia, já pegou mlk (sic) de 9 anos”; “ex dela virou viado (sic); “só sabe bater nas pessoas”; “sapadrãozinha” (sic); e “tá rolando boatos de que ele fala pro pai que vai pra escola e mata aula pra pegar as garotas do 9º ano em casa”.
‘Linchamento moderno’
Mas só vítimas e quem comenta são expostos. “Se você não quiser que a gente fale quem mandou a fofoca, coloca ‘anônimo’ depois da mensagem”, diz o explana._.rj no feed, se dirigindo ao denunciante. Quem gerencia esses perfis também é anônimo.
— Os administradores não são identificados nunca. Fazem isso o tempo todo, parece que se viciaram. A web é uma grande praça pública. E o que fazem é linchamento moderno em praça pública. Expõem a reputação de adolescentes o tempo todo — alerta Z., pai de uma adolescente que já sofreu cyberbullying no passado e tio de uma aluna de um colégio da Zona Sul que foi insultada num “explana”.
Nessa praça pública, G., de 12 anos, moradora de Vargem Grande, foi marcada num perfil e teve sua foto publicada.
— Disseram que eu gostava de bater na escola. Aí que me deu vontade de sair batendo em colega. O pior que não sei quem fez isso — reage.
Do outro lado da cidade, J., de 15 anos, que estuda em um colégio no Leblon, protesta:
— É invasão de privacidade, falta de respeito.
‘Fofoca tem engajamento’
Diretor da Escola municipal Victor Hugo, no Anil, Renan Soares da Costa descobriu que seus alunos vêm sendo difamados e seguindo o “explana” que tem as iniciais da unidade. Está agindo com os meios de que dispõe.
— Tenho orientado e advertido alunos e me reunido com pais. Tem sido uma batalha para conscientizá-los. E só colocam stories, que desaparecem — alerta ele — Notei que os alunos voltaram da pandemia para a escola com dificuldade de convivência. O impacto do meio digital, hoje, está diferente neles. E fofoca tem engajamento.
Especialista em terapia cognitiva comportamental, a psicóloga Adriana D’Elia Mannarino Franceschin destaca que “a mesma mídia social que trouxe pontos positivos pode também trazer muitos impactos negativos e disparar ou intensificar quadros de depressão, ansiedade, pânico, aumento do uso de drogas e até mesmo suicídio nos adolescentes”.
— O cyberbullying, recorrente nas redes sociais, vem afetando adolescentes com depreciação, ofensa, agressão verbal, exposição… O agressor e seu grupo têm comportamentos de difamar e usam a mídia social como meio para alcançar popularidade — acrescenta ela.
Membro do Conselho Regional de Psicologia do Rio, Roseli Goffman afirma que crianças e adolescentes “não estão livres da autoridade no ambiente das redes sociais”, cabendo aos pais conduzir o comportamento de seus filhos na web:
— Um adolescente não pode devassar a vida alheia dentro da rede social. Essa conduta que de ser de alguma maneira vetada. Diria: pais fiquem atentos ao que seu filho está fazendo nas redes sociais. Caso detectem que o filho está sofrendo bullying na web, procurem ajuda da escola e de um psicólogo. É preciso avaliar as condições daquela pessoa suportar tal constrangimento.
Z., mãe de uma aluna que foi vítima de “explana”, ao tomar ciência do que ocorreu, procurou a escola, na Zona Sul, e alertou outros responsáveis. O trauma foi tão grande que a adolescente já pediu para mudar de colégio.
— Minha filha ficou bem sensibilizada. Imagino que os pais não saibam que seu filho é quem está destilando ódio na internet. E os adolescentes seguem aquela conta até por uma curiosidade quase mórbida. Claro, tem o lado da paquera, do correio eletrônico. Mas tem o da difamação. Às vezes, abrem uma caixinha para que coloquem, por exemplo, o @ do mais chato da escola. O negócio é feito para difamar o outro. E a adolescência é uma idade complicada.
‘Só eu que me dei mal’
A Polícia Civil ressalta que “não foram localizados registros de ocorrência ou denúncias de responsáveis e de representantes de escolas” referentes a perfis “explana”. T., de 14 anos, que estuda numa unidade municipal da Zona Oeste, no entanto, chegou a procurar uma delegacia:
— No fim do ano passado, inventaram que eu tinha tido relação sexual com um garoto da escola. Falei para a minha mãe, e fomos à delegacia. Na época, fiquei com medo de denunciar quem eu achava que tinha feito aquilo. Agora, tenho certeza: foram duas meninas da minha escola. Mas não aconteceu nada com elas. Só eu que me dei mal.
Segundo a Comissão de Direito e Tecnologia da OAB, como o cyberbullying é um comportamento em que há dificuldade de se chegar aos autores, o importante é escolas e pais serem proativos. Os pais, destaca a comissão, têm o dever de acompanhar o que seus filhos publicam e acessam nas redes sociais. Já as escolas, acrescenta, devem atuar tanto na prevenção (com palestras, por exemplo), como na resolução de eventuais conflitos.
Os pais também devem efetuar registros policiais, quando entenderem que o caso possa ser caracterizado como infração penal análoga a crime de injúria, calúnia ou difamação, afirma a comissão. Cabe ainda, diz, ação civil por danos morais e materiais contra os responsáveis, no caso de um menor ser identificado como autor de uma denúncia. Outro caminho é procurar um dos conselhos tutelares. Para assegurar provas, a sugestão é ir a um cartório de notas para que seja feita uma ata da publicação ofensiva.
‘Noções de respeito’
Vice-presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Rio (Sinepe Rio), Pedro Flexa Ribeiro diz que as escolas tentam ensinar seus alunos a gerenciar o que é público e privado e a “não se expor nem expor o outro”.
— As escolas fazem palestras para pais e trabalham com os alunos preventivamente, ensinando noções de respeito. É muito comum entre crianças e adolescentes confundir o que brincadeira com o que é desrespeito. Isso acontece no presencial, na sala de aula, no recreio e, agora, também no virtual — ressalta Flexa Ribeiro. — Mas tem um lado que é o da família. A escola não tem autorização para invadir ou para patrulhar a vida dos alunos em rede social. É a família que escolhe dar um celular a uma criança.
A Escola Eleva, que tem conhecimento dos perfis “explana”, afirma que para coibir o cyberbullying é fundamental estar atento a alunos e próximos a famílias, a fim de trabalhar “tanto com a prevenção quanto com casos em que infelizmente a prevenção não seja suficiente”.
— Nessas ocasiões, tomamos o cuidado de proteger os nomes envolvidos, mas fazemos bastante esforço para acolher e ajudar a vítima, e também para identificar e aplicar consequências, previstas em nosso guia de conduta, a quem agrediu. O cyberbullying é uma infração grave, que acarreta em suspensão ou expulsão — esclarece Marcio Cohen, CEO da Inspired Brasil, que faz a gestão do Eleva.
O GLOBO procurou outras quatro escolas. A Parque disse tão somente que “está conduzindo o assunto internamente”. Santo Agostinho Leblon, Edem e São Vicente de Paulo não se manifestaram.
Por e-mail, a Meta — empresa que controla Instagram, Facebook e WhatsApp — destaca que a segurança dos usuários, especialmente os mais jovens, é a sua maior responsabilidade. “Desenvolvemos controles, ferramentas simples de denúncia e usamos a mais avançada tecnologia disponível para manter as pessoas seguras no Instagram. Trabalhamos de forma contínua com especialistas, pais e adolescentes para seguirmos desenvolvendo novas tecnologias para combater o bullying no Instagram”, acrescenta. Informa ainda que conta com “tecnologia de inteligência artificial e revisores para analisar denúncias de bullying e assédio 24 horas por dia, sete dias por semana, em mais de 50 idiomas”.
A Meta sugere que seja reportado a ela qualquer conteúdo que as pessoas acreditem que possa violar as Diretrizes da Comunidade do Instagram. A empresa criou a Central da Família, ” um espaço construído para fornecer aos pais e responsáveis as ferramentas, além de recursos educativos, para ajudar a dar suporte à experiência online dos seus filhos adolescentes”.
A Secretaria estadual de Educação explica que as equipes que dirigem as unidades escolares “são orientadas a realizar ações pautadas no diálogo e na conscientização dos alunos, tendo como objetivo o bom convívio dentro da dependência escolar e, também, no âmbito social”. A Secretaria municipal de Educação esclarece que “tem como medida acionar o Programa Interdisciplinar de Apoio às Escolas (Proinape), quando há ações ligadas ao bullying, assim como em outras formas de violência ou comportamento inadequado observados nas unidades escolares”.