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Alzheimer precoce chega aos 45 anos e muda planos na vida adulta

Formado em administração e supervisor de controle agrícola, José Carlos Marcello tinha 47 anos quando o Alzheimer precoce, também chamado de pré-senil, começou a manifestar os primeiros sintomas. O administrador perdeu seus dois empregos e recebeu tratamento para depressão por três anos antes de confirmar o diagnóstico da doença neurodegenerativa, rara para sua idade.

Seu caso não era o primeiro da família. O pai e o primo também receberam o diagnóstico precoce, embora com a idade ligeiramente mais avançada. Sua esposa, a secretária Denise Marcello, na época com 44 anos, percebeu que não se tratava de depressão pois o marido apresentou dificuldades como ver as horas. “Ele sempre trabalhou com números”, conta.

Com o diagnóstico confirmado, Denise buscou apoio em grupos online e palestras a fim de entender melhor o que estavam passando. Ela criou a página “Alzheimer precoce, meu marido tem”, que a ajudou aceitar sua situação e lhe deu o propósito de compartilhar suas vivências para tornar menos difícil a jornada de outras famílias.

“Pior coisa nessa situação é a ignorância, não conhecer a doença. Achava que tudo que ele fazia era para me afrontar e na realidade não era. Tudo que dava certo para mim, comecei a passar aos outros pessoalmente e pela página”, diz Denise. Em 2016, por causa da disfagia (dificuldade para mastigar), José Carlos precisou ser internado e passou os anos finais em uma clínica, onde faleceu em junho de 2022.

Alzheimer precoce se manifesta entre 45 e 65 anos e é semelhante ao retratado no filme “Para sempre Alice”, que rendeu o Oscar de melhor atriz a Juliane Moore em 2015. A doença é rara, mas é vista como um desafio pois os pacientes podem enfrentar o declínio cognitivo durante a idade adulta, em uma fase inesperada da vida.

Fábio Henrique de Gobbi Porto, médico neurologista e diretor científico da Abraz-SP (Associação Brasileira de Alzheimer de São Paulo), diz que o pré-senil corresponde a apenas 10% dos casos, mas evolui com maior rapidez do nos casos em que a doença é descoberta após os 80 anos.

O diagnóstico precoce, antes de atingir perdas graves de cognição, faz grande diferença na qualidade de vida do paciente, uma vez que os processos neurodegenerativos começam a acontecer até duas décadas antes das primeiras manifestações clínicas.

“A demência por definição é quando se tem perda cognitiva com alteração de comportamento, mas antes dela, a pessoa ainda funciona de maneira independente, está funcional e consegue decidir o que quer fazer, se quer trabalhar ou fazer a viagem dos sonhos”, diz o neurologista.

Mudanças no estilo de vida também podem desacelerar o avanço da doença, como deixar de fumar, beber e fazer exercícios, além de receber estímulos cognitivos, corrigir deficiências auditivas e visuais, controlar doenças associadas à idade como diabetes, disfunções de tireóide, hipertensão ou falta de vitaminas como a B12.

Ainda não existe cura para o Alzheimer, mas, de acordo com Porto, existem medicamentos que fazem a doença “piorar mais devagar.” A dificuldade está em perceber que o problema chegou e começar o tratamento o mais cedo possível.

Luiz Roberto Ramos, professor titular do Departamento de Medicina Preventiva e coordenador do Centro de Estudo do Envelhecimento da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), diz que o diagnóstico absoluto da lesão neuronal causada pelo Alzheimer ainda é complicado.

“A pessoa não percebe, nem a família, porque é uma rampa gradual, diferente de um indivíduo com acidente vascular cerebral que desceu um degrau enorme de um dia para o outro”, diz Ramos. O pesquisador afirma que ninguém chega aos 90 anos sem uma doença crônica, mas ainda assim pode ter uma saúde funcional que permite ser independente e autônomo na sociedade.

A ex-revendedora farmacêutica Maria Cecília Malta Mattos, 69, diagnosticada há seis anos com Alzheimer em um quadro também considerado precoce, descobriu ainda na fase inicial e, por isso, consegue se manter ativa.

A família percebeu a doença quando ela passou a ter episódios de esquecimento, mas achava que era cansaço. “Eu sinto muita falta da minha independência, de pegar o carro e dirigir de um lado para outro, mas tenho consciência que não posso”, relata.

Maria não frequenta mais locais de grande movimento, mas ainda passeia pelo bairro com seu fiel cachorro Petit. “Uma amiga me perguntou se eu não tinha vergonha de dizer que tinha Alzheimer e respondi que tinha vergonha de uma amiga como ela. Se ela fala isso para outra pessoa mais sensível, em vez de auxiliar, vai fazê-la se esconder”, diz.

A filha Thayná Mattos Witts, 35, professora e psicopedagoga, é a principal cuidadora familiar de Maria. Thayná fez uma série de adaptações na casa e na vida para lidar com o quadro da mãe.

“Ela não queria fazer exercícios, então adotamos um cachorro e mandei fazer uma pulseira com os dados dela”, conta a filha. Também fez um calendário para ajudar a manter a autonomia da mãe, convenceu Maria a não usar mais o fogão e agora negocia a colocação de tela e apoios nos banheiros.

“O Alzheimer passa a fazer parte da sua vida de repente, mas tudo é adaptável e um dia de cada vez. Minha mãe não precisa deixar de ir em uma viagem ou sair, é questão de organizar e adaptar. Em vez de seis horas de festa, ficamos duas e ela curte”, diz.

A filha diz que a participação nos grupos de apoio às famílias da Abraz-SP foi essencial para ela, e que este ano vai, pela primeira vez, liderar uma dessas turmas.

“Compartilhar experiência com quem está passando pela mesma situação alivia um pouco. O maior desafio é não ficar se culpando pelas coisas que não dão certo e tentar reverter um quadro que também não vai ser revertido, não tem cura, a gente vai aprendendo”, conta.

Em todo o mundo, a estimativa é de que 55 milhões de pessoas vivam com demência e que o número de pessoas afetadas deve aumentar para 139 milhões até 2050.

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