Após Champions com Guardiola, Fernandinho decide Libertadores com Felipão: ’em termos de resultados, dispensa comentários’
“I want to play” (“Eu quero jogar”, em inglês). A frase ecoou de forma dura no dia 4 de abril passado, quando Fernandinho anunciou sua inesperada decisão de deixar o Manchester City. Voltar para o Brasil, mais especificamente para o Athletico que o formou, era a maneira que ele havia encontrado para continuar uma carreira profissional de 17 anos, limitada naquele momento pelo sucesso de Rodri em sua posição. Ainda assim, nem mesmo Pep Guardiola podia acreditar que seu homem de confiança tinha sido tão definitivo no CT do City. E nada para ele é melhor do que estar em campo.
– A gente (em campo) tem um certo tipo de vantagem, porque a tomada de decisão vai ser sua, naqueles segundinhos ali que você tem na frente do gol. É você que vai ter que decidir o que fazer, e é um certo tipo de responsabilidade que eu acho boa. No meu caso, comecei a conviver com isso aos meus 13 anos, e é o tipo de responsabilidade que é gostoso de se viver – afirmou Fernandinho em entrevista exclusiva por videochamada.
Quinze jogos depois de reestrear com os rubro-negros de Curitiba, o volante chega a sua segunda final de Libertadores, neste sábado, contra o Flamengo – Fernandinho era meia-atacante quando foi vice para o São Paulo, em 2005. Embora muitos brasileiros o vejam com ressalvas, devido às eliminações nas Copas de 2014 e 2018, ele é uma inegável lenda no City e ainda é o recordista brasileiro de jogos pela Premier League – são 264 participações, empatado com o meia-atacante Willian, que deve reassumir o primeiro lugar neste sábado, depois de Fulham x Everton.
Para o jogador de 1,79 m e 37 anos, a nova etapa foi a primeira em que chegou a um clube sem ter que provar algo – um cenário muito diferente do que viveu quando saiu do Athletico para o Shakhtar Donetsk, da Ucrânia, em 2005, e de lá para Manchester, aos 28.
– (Encaro isso) Com naturalidade, muita naturalidade. Claro que sei da responsabilidade que tenho pela história que construí, por tudo que vivi nesses últimos 17 anos. E muitas vezes isso acaba gerando em alguns dos meninos aquela dúvida na cabeça, né? E aí acabam tendo esse receio de chegar perto para conversar e perguntar alguma coisa. Tento dar a maior abertura possível e me relacionar da melhor maneira possível para que eles possam entender que o futebol é jogado de uma maneira tão simples que às vezes quem complica somos nós mesmos, sabe?
O que não quer dizer que não houve necessidade de readaptação ao futebol brasileiro, que afeta principalmente seu modo de jogar.
– Em relação ao futebol inglês, o futebol que é jogado na Premier League, começa pelo número de faltas que são marcadas durante o jogo, né? – afirma Fernandinho, que se tornou conhecido na Inglaterra por ser um “assassino gentil”, especialista na falta técnica: – Então lá o jogo corre um pouco mais, a atuação dos árbitros é muito bacana nesse aspecto. E tem os gramados. Lá eles acabam sendo um pouco melhores também do que os do Brasil.
Outro aspecto do Athletico é a ênfase de Felipão em trabalhar os ataques rapidamente, sem deixar o adversário se recompor. Em consequência disso, a posse de bola é muito mais baixa do que aquela a que o paranaense de Londrina se acostumou com Pep Guardiola, que normalmente ultrapassava os 70%. No Athletico, é raro a equipe rubro-negra sair com mais de 50%. Na última partida de Fernandinho, dia 16, contra o Coritiba, pelo Brasileiro, a posse de bola ficou em 53%, segundo o SofaScore. Um desafio para quem terá diante de si um Flamengo que tem obsessão pelo controle das ações.
– Tem esse estilo novo (do Athletico), né? Um jogo que é mais vertical, mais direto e, por certas vezes, acaba sendo mais reativo também. É um pouco diferente daquilo que eu estava acostumado jogando na Inglaterra. Mas acredito que, como foi a ao longo da minha carreira, agora não vai ser diferente, né? Com muito trabalho, com muita dedicação, tento me enquadrar o mais rápido possível dentro daquilo que é pedido aqui dentro do clube.
Fernandinho não esconde que o mais interessante deste momento da carreira é poder ensinar.
– Estou superfeliz e motivado porque, quando você pega o Athletico, vê grandes potenciais dos jogadores, sabe? Grandes potenciais e jogadores de todas as posições. É um grupo muito jovem, muito novo e e você percebe que eles têm uma uma gana e uma vontade muito grande diariamente para trabalhar e colocar em prática tudo aquilo que eles podem aprender.
O que também pesa nessa empolgação é Felipão, que, “em termos de resultados, dispensa comentários”, segundo diz Fernandinho:
– Ele tem demonstrado diariamente toda essa experiência que adquiriu ao longo dos anos e que ele tem tentado passar para nós. Então a gente está superfeliz com essa conexão entre jogadores mais novos, jogadores mais velhos e o Felipão, que é um veterano da bola já.
Um ambiente muito diferente daquele que o volante encontrou no City, aos 28 anos, na última temporada do técnico argentino Manuel Pellegrini. Repleta de veteranos, a equipe tinha nomes como Kompany, Otamendi, Kolarov e Agüero, e a fama de gostar muito de atuar com a bola, mas não se esforçar tanto para recuperá-la, o que acabou quando Guardiola a assumiu, em 2016. São experiências que reforçaram certas convicções que Fernandinho afirma ter desde seu início em Londrina, mas que agora se refletem no empenho em liderar pelo exemplo. Prestes a tentar mais uma vez um título continental, depois da derrota do City para o Chelsea na final da Champions de 2021, ele insiste nessa fórmula.
– Para chegar no mais alto nível assim, claro que precisa de algumas coisas que são universais, né? Não é um trabalho que você faz uma coisa de uma forma no treino, durante a semana, e que depois, no jogo, você faz de um jeito diferente que dá certo, sabe? A tendência é que dê errado. São coisas desse tipo que, na medida do possível, na abertura que eles vão dando para mim, também vou tentando passar pra eles. Na base da conversa e no principal, que é na base do exemplo, que eu acho que acaba sendo o carro-chefe.