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Onda recorde de calor: estudo identifica 19 zonas quentes no Rio

Recordes nos termômetros impressionam, mas os cariocas podem sentir o corpo pegar fogo antes mesmo de a medição das máximas da estação virar notícia. Participantes de um projeto que une cientistas e voluntários contra as mudanças climáticas provaram isso na pele: a temperatura do ar junto às pessoas e ao solo é maior que a registrada por termômetros de rua e estações meteorológicas, e também varia muito entre os bairros. Conhecer o que a população enfrenta de fato é essencial para o planejamento de medidas de mitigação e adaptação ao calor extremo, destacam cientistas.

— Detesto calor, fujo. Mas estou aqui porque a sociedade precisa ser ativa contra mudanças do clima — diz Cláudio Fernandes, de 27 anos, mestrando de planejamento energético da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

ÁREAS TÓRRIDAS

Cláudio é um dos 66 voluntários do Observatório do Calor, programa de monitoramento e mapeamento urbano com participação popular. Esse grupo inclui, entre outros, estudantes, líderes comunitários, garis e vendedores de mate. O Rio é a primeira cidade do Hemisfério Sul a participar do programa criado nos EUA e aqui coordenado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Geografia do Clima (GeoClima) da UFRJ.

As áreas mais quentes do Rio
As áreas mais quentes do Rio Foto: Editoria de Arte

Bangu tem fama de ser o bairro mais tórrido do Rio. É um mero mito. Arde, mas não torra sozinho. O observatório selecionou 19 zonas quentes na cidade, reveladas por meio de análises de temperatura e dados de satélite. Quase todas estão nas zonas Norte e Oeste, as mais densamente povoadas e menos arborizadas.

As rotas definidas incluíram áreas como Realengo, Madureira, Oswaldo Cruz, Costa Barros, Complexo da Maré, Cascadura, Ilha do Governador, Leblon, Ipanema, Lagoa, Rocinha, Barra da Tijuca, Jacarepaguá e, claro, Bangu. Todas foram percorridas três vezes, de manhã, à tarde e à noite. Para que os dados fossem comparáveis, temperatura e umidade do ar foram medidas num único dia, simultaneamente.

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Quando os resultados ficarem prontos, os cientistas proporão medidas de adaptação baseadas nas especificidades do município. Os dados vão bem além da sensação térmica genérica calculada a partir das estações meteorológicas, e que no calor carioca está mais para insalubridade térmica.

No dia 27 de janeiro, sob sol sem piedade, sombra ou água fresca, voluntários, jovens em sua maioria, desafiaram o inferno em nome da ciência e da melhoria de qualidade de vida no fumegante Rio de Janeiro.

— É uma iniciativa de ciência cidadã contra as mudanças climáticas. O calor mata, especialmente quem vive e trabalha nos bairros menos arborizados e com maior adensamento populacional. O Rio sofre com a insalubridade térmica. É uma das cidades mais quentes do Brasil e não está preparado para enfrentar a elevação de temperatura e as ondas de calor, cada vez mais frequentes — afirma Núbia Beray, coordenadora do GeoClima e do Observatório do Calor.

Munidos de coragem e de um sensor especial de temperatura e umidade (que potencializa a sensação de calor, pois dificulta a transpiração), voluntários saíram às ruas. Cada dupla percorreu de carro, por uma hora e em baixa velocidade, uma rota com, em média, 15 quilômetros. O carro foi usado devido ao sensor e para que a velocidade pudesse ser padronizada.

Para a ferocidade do verão no município, até que a sexta-feira 27 de janeiro foi suave. A máxima registrada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) foi de 35,9 graus, em Jacarepaguá. Naquele dia, Uruguaiana (RS) torrou com 39,9 graus, o recorde no país.

No Parque Madureira, de onde Cláudio saiu para rota que incluía Engenho de Dentro, Cascadura e Piedade, o termômetro cravou 28 graus às 14h. Fresco para padrões cariocas, mas a câmara térmica do cientista americano Joey Williams mostrava que à volta do corpo das pessoas o ar estava a 35,5 graus e, no chão, a 45 graus.

A estudante de ciências ambientais da UniRio Fernanda da Silva Pereira, de 20 anos, foi parceira de Cláudio na rota de Madureira.

— Calor é uma tortura para quem não conta com o conforto de ambientes refrigerados. Nem à praia sinto vontade de ir quando está muito quente. Encontrar medidas para amenizá-lo é questão de justiça climática, acho que a sociedade precisa ser mais ativa. Sou voluntária desde o ano passado, quando soube do projeto — afirma ela.

O observatório é fruto de uma parceria com a Administração Atmosférica e Oceânica Nacional dos EUA (Noaa, na sigla em inglês), o Sistema Nacional de Informação Integrada sobre Calor e Saúde dos EUA e a empresa americana Capa Strategies, que presta consultoria sobre clima urbano e calor extremo. O programa contou com o apoio da prefeitura.

Núbia Beray frisa que mudanças climáticas são uma realidade e metrópoles formam suas próprias bolhas quentes, o que torna o calor extremo em muitos lugares.

‘CALOR HUMANO’

Com os sensores, os pesquisadores podem captar ínfimas variações associadas a fatores como concentração de pessoas, volume de tráfego, pontos de ônibus, feiras livres, edificações, arborização e características geográficas, como presença de morros e praias. Calor humano não é força de expressão, é realidade térmica, observa Beray. Os dados já foram enviados à Noaa, que os processará para traçar um perfil térmico do Rio de Janeiro.

— A ideia é que o Rio possa usar os dados em planejamento urbano. Insalubridade climática adoece e mata as pessoas — observa Beray.

Destacada para a rota de Jacarepaguá, oficialmente a mais quente naquele dia, a universitária Daniela Rodrigues, de 22 anos, também se assusta com a perspectiva de dias cada vez mais tórridos.

— Quanto mais o tempo passava, mais desesperadora ficava a rota. O calor sufoca, faz muito mal. Vemos as pessoas trabalhando todos os dias expostas a temperaturas perigosas. Quis fazer a minha parte, diferença, para encontrar medidas de aliviar esse sofrimento — salienta ela.

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