Estrela de novelas na Turquia, atriz brasileira fala sobre tragédia após terremoto: ‘Produtoras enviaram equipamentos’
Jéssica May é brasileira, tem 29 anos e vive em Istambul, maior cidade da Turquia, há pouco mais de uma década. Em 2011, a então jovem modelo viajou para o país europeu para realizar um trabalho publicitário, num comercial de televisão. Ficaria por lá algumas semanas. Os meses foram passando, passando, e, quando se deu conta, ela estava apaixonada pelo fotógrafo turco Hüseyin Kara — com quem hoje é casada —, já tinha aprendido a língua local e recebido (e aceitado) um convite para estrelar, como atriz, uma comédia romântica. Nunca mais voltou.
Rosto conhecido na Turquia — ela protagonizou séries e novelas como “Yeni gelin” (2017), “Maria e Mustafa” (2020) e “Yalniz Kurt”—, Jéssica detalhou ao GLOBO o que tem visto nas ruas do país após a tragédia provocada pelo terremoto que também atingiu o norte da Síria. O número de mortos passa de 11 mil. Na opinião da atriz, nenhum vídeo ou fotografia consegue traduzir a real dimensão desta crise humanitária. Os trabalhos de produtoras audiovisuais, que movimentam um concorrido mercado de folhetins, foram interrompidos, já que os equipamentos foram deslocados para as áreas afetadas.
— Em meio ao intenso inverno, com temperaturas que variam de 0°C a -10°C, muitas vítimas faleceram sob os escombros por hipotermia — relata ela, que deseja voltar ao Brasil neste ano. — Vejo as pessoas extremamente tristes, com olhares distantes, exaustos psicologicamente com a dor causada pela tragédia. Pelas mídias, não é possível ter noção do quão grave a situação se encontra.
Onde você estava no momento em que aconteceram os primeiros tremores? Demorou a entender que se tratava de um terremoto?
O epicentro do terremoto aconteceu na cidade de Kahramanmaraş, no sudeste da Anatólia, mas afetou dez outras cidades ao redor. Eu e meu marido moramos em Istambul, que fica a 1.113 quilômetros de distância, e só tivemos notícias do desastre ao acordamos e nos depararmos com o pânico nos canais de televisão e nas redes sociais. O tremor aconteceu na madrugada do dia 6, às 4h17 (22h17 do dia 5, no horário de Brasília). Os terremotos são frequentes na Turquia por consequência dos muitos encontros de placas tectônicas nesta região. Porém, nunca nessa magnitude.
Desde que chegou na Turquia, cultiva medo pela possibilidade de um terremoto?
Na verdade, nunca pensei nisso. Quando não vivenciamos algo desse gênero, não é possível imaginar a intensidade ou como nosso psicológico irá reagir nessa situação. Desastres, infelizmente, acontecem em todo o mundo e, desde minha chegada na Turquia, presenciei muitos momentos difíceis, mas sempre procurei manter a calma e buscar instruções. Foram dois fortes terremotos no mesmo dia, de magnitudes 7,7 e 7,6… O que se sabe até o momento são que mais de 11 mil edifícios foram totalmente destruídos e mais de oito mil mortes contabilizadas, sendo que esses números crescem a cada momento.
Como reagiu no momento do terremoto?
Quando soubemos da tragédia, começamos a trabalhar juntamente com instituições de caridade de Istambul para ajudar as vítimas. Muitos de nossos amigos próximos com a devida formação técnica estão trabalhando atualmente na região junto às equipes de resgate. O maiores problemas são a insuficiência no número de máquinas escavadeiras, geradores de energia, britadeiras e iluminação em geral. Muitos locais, após tantas horas, ainda continuam sem resgate. Em meio ao intenso inverno, com temperaturas que variam de 0°C a -10°C, muitas vítimas faleceram sob os escombros por hipotermia. A neve também impede que o transporte seja feito de maneira rápida.
Acha que o país está preparado para esse tipo de situação?
Em muitas cidades, correntes de voluntários em centros de ajuda recolhem e separam os donativos, que são imediatamente enviados às cidades afetadas. Cobertores, sacos de dormir, barracas, alimentos não perecíveis, fraldas para bebês e idosos, aquecedores elétricos, powerbanks e roupas de inverno em geral são os itens mais clamados. Os turcos são uma nação muito generosa, estão sempre prontos para ajudar em qualquer situação e sob quaisquer circunstâncias. Mas o que mais chamou a atenção foi que, muitos países, os quais possuem conflitos políticos com a Turquia, prontamente enviaram ajuda e muitas equipes de salvamento. Foi também decretado pelo presidente (Recep Tayyip Erdoğan) luto oficial de sete dias no país, estado de emergência por três meses e escolas fechadas até a próxima semana.
O mundo tem acompanhado com comoção essa tragédia. O que mais chama sua atenção nas ruas?
Aqui em Istambul, vejo as pessoas extremamente tristes, com olhares distantes, exaustos psicologicamente com a dor causada pela tragédia. Pelas mídias, não é possível ter noção do quão grave a situação se encontra. Estima-se que centenas de milhares de pessoas foram afetadas nessas dez cidades e estão desabrigadas. Muitos pedidos de ajuda nas redes sociais são enviados, encaminhados às autoridades e milhares de pessoas são salvas dessa maneira.
Você possui mais familiares na Turquia?
Meu marido é turco e sua família reside na região do Mar Negro, em Rize, nordeste da Turquia. Essa área é considerada segura. Mas todos estão em alerta, apreensivos, acompanhando os salvamentos, assim como toda minha família que reside no Brasil. Graças a Deus e à tecnologia, nos falamos diariamente.
No momento, você está gravando alguma novela ou série? Como ficam os trabalhos?
Minha última novela terminou em dezembro de 2022. Recebi uma proposta para um projeto que começaria em março, mas decidi não participar, pois já estava planejando uma visita à minha família no mesmo mês no Brasil. As gravações foram pausadas por três dias, mas, provavelmente, o intervalo irá aumentar, já que muitas produtoras enviaram seus equipamentos de iluminação e trailers para a área afetada. Artistas e jogadores de futebol também estão na luta, pois é preciso curar as feridas de milhões de cidadãos afetados por este terremoto.
Você vive na Turquia desde quando?
Já são 12 anos morando na Turquia, mas sempre com um pé no Brasil. Minha vinda foi planejada para uma então sessão publicitária, um comercial de televisão, e logo depois voltaria ao Brasil. Acabei permanecendo alguns meses a mais e conheci meu marido. Aprendi a língua turca no dia a dia com meus amigos, meu marido Hüseyin e ouvindo os locais em suas prosas.
Sabe-se que a Turquia tem uma produção relevante de novelas, consumidas, inclusive, por outros países. Você era uma consumidora dessas novelas e séries?
A Turquia hoje tem uma superprodução de novelas, em muitos canais, de muitas produtoras com duração de 120 a 140 minutos, exibidas uma vez por semana. Por dia, em cada canal, são exibidas uma média de quatro a cinco histórias diferentes, que dependem da audiência que recebem para continuar no ar. Alguns projetos são finalizados no quinto capítulo, por exemplo. Comecei a acompanhar essas novelas após aprender a língua, porque até então sempre acompanhei só as novelas brasileiras, que também são muito conhecidas aqui.
Como surgiu o convite para protagonizar uma dessas séries? Hoje é reconhecida nas ruas turcas?
Meu primeiro convite aconteceu em 2017 por uma renomada produtora para protagonizar uma comédia romântica. Ficamos no ar por dois anos. A produção foi dublada e vendida para vários países. Após o término, não parei mais de atuar. É minha paixão, me divirto, me descubro a cada projeto atuando em outra língua, em outra cultura, sempre buscando conhecimento para aprimorar minhas técnicas na dramaturgia. Ser reconhecida nas ruas é uma experiência maravilhosa, e um ótimo termômetro em relação à atuação.
Pensa em voltar ao Brasil, para realizar trabalhos como atriz?
Meu maior sonho hoje é atuar no Brasil, em minha língua mãe. Trabalhar no meu país e ficar mais próxima da minha família são meus planos para 2023. No momento, não tenho empresário no Brasil. Mas espero que, em pouco tempo, encontre um profissional de confiança que me represente, para começar uma nova aventura. Gostaria muito de fazer esse trabalho tanto na Turquia quanto no Brasil, mas ainda não recebi uma oferta.
Acha que o mercado turco de novelas também está de olho no mercado brasileiro de folhetins?