Por que o Vasco de Barbieri parece correr mais do que o Flamengo de Vítor Pereira
O melhor momento do Vasco em relação ao Flamengo no reencontro que começa a decidir hoje, 21h10, no Maracanã, quem vai à final do Campeonato Carioca, passa não só pelo trabalho dos dois treinadores e o desempenho dos jogadores, mas sobretudo pelo planejamento das duas diretorias. Vítor Pereira e Maurício Barbieri conservam entre si o mesmo mantra, que prega intensidade. A diferença está nas condições para estabelecê-la. O que indica um Vasco que corre mais do que o Flamengo em campo.
O técnico português não teve tempo de reconstruir um elenco campeão e projetado para uma ideia de jogo em 2019. A tentativa de mudança gradativa antes de novas disputas por títulos em 2023 não surtiu efeito nos resultados e a pressão pela saída de Vítor Pereira cresce. A comparação com o trabalho de Barbieri é um elemento a mais de cobrança, apesar de se tratar de dois pesos e duas medidas. O jovem treinador foi trazido pelo Vasco no começo de dezembro, e a partir de sua chegada a formação do time aconteceu com base no estilo de jogo que adotaria.
— Todas as contratações que foram feitas após a vinda da comissão técnica passam necessariamente pela análise de encaixe no perfil do treinador e do modelo de jogo — atesta o diretor do Vasco, Paulo Bracks.
Contextos diferentes
O clube, após o aporte da 777, fez cinco amistosos e teve 43 dias de treinamento até o primeiro jogo oficial. Mais de dois meses até jogar os clássicos, em que foi melhor que Fluminense e Flamengo. No rival foram 42 dias de férias do elenco rubro-negro até Vítor Pereira iniciar o trabalho só em três de janeiro e fazer sua primeira partida importante 25 dias depois, contra o Palmeiras. Como não houve amistosos, alternou as equipes no Estadual, quando estreou a força máxima após 12 dias. Entre Supercopa, Mundial, Recopa e Carioca, o Flamengo teve oito jogos importantes dos 15 de Vítor Pereira. Enquanto o Vasco fez apenas três do total de 10 partidas oficiais da equipe principal em 2023.
No primeiro encontro entre os rivais, as diferenças de maturação dos elencos ficaram nítidas. Enquanto o Flamengo tinha espaço para propor o jogo e criar mais ofensivamente — foram 481 passes trocados, acima da média de 447.4 por jogo no estadual —, o Vasco se manteve cauteloso fechando os espaços e esperando as oportunidades nas transições. Quando elas vieram, o cruz-maltino mostrou o que tem de melhor na temporada: a intensidade nos movimentos. Característica que faltou ao Flamengo, desde então um time que inicia bem os jogos e não mantém o nível por 90 minutos.
Mais treino, menos jogo
Tal capacidade coloca o time de Barbieri em um estágio de desenvolvimento que parece mais avançado nesta altura da temporada. Um efeito dessa ideia se verifica nos números: o Vasco é o time que mais rouba bolas nesse Carioca: são 14.09 por jogo, à frente dos 12,18 do próprio rubro-negro. Puma Rodríguez, destaque do clássico, é quem lidera o quesito entre os jogadores, com 24 em nove jogos. O jovem volante Rodrigo aparece em terceiro, com 18 em 8 jogos.
No Vasco, a gestão do trabalho físico está relacionada ao modelo de jogo e ao comportamento dos jogadores dentro desse contexto. Para cumprir o que o treinador solicita, a comissão técnica organiza as cargas e estimula os comportamentos coletivos. Fisicamente os atletas vão adquirindo o condicionamento e a intensidade necessária para o tipo de jogo na sessões de treino. Em seguida, são feitos os ajustes necessários para que a cada dia a equipe seja mais intensa dentro da proposta de Barbieri.
Nesse cenário, o departamento médico não faz um controle rígido da carga, e sim dá suporte para essas atividades que a preparação física coordena em alinhamento aos movimentos de jogo que são treinados. Há ainda um mapeamento dos atletas em risco de lesão. O clube apresenta ao técnico os dados, mas Barbieri prioriza atividades bem intensas com movimentações que são reproduzidas durante as partidas. Ocorre de alguns atletas se lesionarem no próprio treinamento, como o caso de Orellano, que volta no jogo da volta. Mesmo que isso ocorra há mais garantias de um grupo homogêneo e preparado para colocar em prática os conceitos do seu comandante.
Mais jogo, menos treino
No Flamengo, a reformulação no Departamento de Saúde e Alto Rendimento promovida no ano passado colocou nos trilhos um trabalho de ciência do esporte que havia ficado pelo caminho depois da saída do técnico Jorge Jesus. A volta de profissionais qualificados ao dia a dia foi preponderante para o desempenho da equipe sob o comando de Dorival Junior. Mas este alinhamento precisou de uma nova adaptação com a troca de treinador. Vítor Pereira trouxe uma comissão técnica mais numerosa, parte dela começou a trabalhar no fim de dezembro, enquanto o técnico chegou apenas em janeiro. E a partir daí o Flamengo precisou mais uma vez trocar o pneu com o carro andando.
Responsável por gerenciar o departamento médico e a preparação física para direcionar o controle de carga, o médico Márcio Tannure voltou ao processo de alinhar as ideias do clube com as do novo treinador, e ambos tiveram que lidar com a decisão de diretoria de dar férias de quase cinquenta dias aos atletas, que demandaram maior descanso depois de uma temporada exaustiva em 2022. Na prática, o Flamengo retornou aos trabalhos de olho nas três competições que valiam mais no começo de 2023 longe de sua forma ideal. E teve que se adequar a uma nova filosofia, tanto física, quanto tática. O termo “correr errado” entrou em cena e as lesões reapareceram. Nos dados do GPS, as quilometragens ainda são altas, mas o esforço não tão eficiente.
– A gente tinha um planejamento pensando no ano todo. É um ano atípico e é sempre difícil planejar. Tudo foi muito pensado e alguns times voltaram antes, outros tiveram um período maior de folga. Cada time pensou de uma maneira diferente. O Flamengo optou por fazer férias mais longas – , afirmou o gerente técnico Juan, explicando o plano rubro-negro e admitindo que o foco é na temporada toda.
– Acho que o o time, é claro, não estava na melhor condição física por ser começo de temporada, mas acreditamos que vamos corresponder esse ano. Talvez, quando outros times estiverem mais cansados, a gente esteja no nosso auge -, completou.
Para atender as expectativas de Vítor Pereira e do clube, alguns jogadores fizeram trabalhos físicos à parte fora do Flamengo, mas mesmo assim não foi suficiente. O resultado ainda é uma equipe que não mantém intensidade durante toda a partida pois não tem ainda o entrosamento necessário dentro dos conceitos implementados por Vítor Pereira, que foi contratado para conduzir um elenco já formado e com ideias prévias. Mais ou menos o mesmo roteiro seguido pelo compatriota Paulo Sousa no ano passado.
O português também procurou encaixar os atletas em seu modelo de jogo, e não usar o que os atletas tinham de melhor e adaptar o seu sistema, opção de Dorival Jr. Logo, tem levado mais tempo e sofrido mais pressão. Para piorar o cenário, os desfalques se acumulam nos últimos jogos. Além de Gerson, suspenso, Flamengo não terá conta o Vasco as seguintes baixas por lesão: David Luiz, Varela, Filipe Luís, Erick Pulgar e Bruno Henrique. Pedro e Thiago Maia retornam ao time.