SAÚDE

Cobertura contra Covid-19 é menor entre populações indígenas

A cobertura vacinal contra a Covid dos povos indígenas revela a desigualdade em comparação com o resto dos brasileiros. Um novo estudo mostrou como as doses chegaram de forma atrasada a esse grupo prioritário.

A pesquisa, realizada pelo Centro de Integração de Dados em Conhecimentos para Saúde da Fiocruz Bahia, mostrou que, em março de 2022, quando 74,8% da população brasileira em geral havia sido vacinada, apenadas 48,7% dos indígenas tinham recebido sua primeira dose.

Participaram do estudo pesquisadores da London School of Hygiene and Tropical Medicine, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade São Paulo (USP), Universitat Pompeu Fabra (Barcelona), Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Julia Pescarini, pesquisadora associada ao Cidacs/Fiocruz Bahia e a London School of Hygiene and Tropical Medicine, explica que os dados foram um retrato do momento, servindo de exemplo e alerta para entendermos a dinâmica da vacinação desses grupos.

— Claro que a cobertura aumentou, era um retrato do momento, mas naquela época já tinham passado dois meses da vacinação entre crianças e a taxa era muito maior entre as não indígenas maiores de 5 anos do que entre as indígenas: com 40% contra 2,6%. Não é que ainda aconteça dessa forma, mas isso refletia um atraso muito grande na vacinação da população indígena, apesar de ser prioritária. Poucos esforços estavam sendo feitos — explica.

O cenário da época entre os idosos também impressiona. A faixa acima de 60 anos já tinha sido praticamente 100% vacinada com pelo menos uma dose, contra 90,1% dos idosos indígenas. Entre os adolescentes, de 10 a 19 anos, 81,5% da população geral já tinha recebido sua primeira dose, mas entre indígenas o índice era de apenas 40,7%.

Atualmente, dados do Ministério da Saúde mostram que 619.286 indígenas receberam a primeira dose contra a Covid, o que equivale a 88%. Já o esquema completo, com duas doses mais um reforço, chegou a apenas 302.111, ou 43% desse grupo prioritário. Para a população geral, a porcentagem de pessoas completamente vacinadas é de 85,8%.

Causas

— Há falta de investimento e comunicação há anos, até de outros governos. E as restrições no financiamento de saúde influenciaram na vacinação. Claro que o impacto acaba sendo maior entre populações mais vulneráveis e minoritárias, como indígenas, moradores de favelas ou muito pobres. Há um impacto desproporcional nessas populações — avalia a pesquisadora. — A vacinação dos povos indígenas é mais difícil, cara, e exige uma logística maior. Não é uma causa só, são várias

Segundo ela, outros estudos mostram que cobertura para o vírus influenza, causador da gripe, também estava muito baixa.

O pesquisador do Instituto Socioambiental Estêvão Benfica Senra concorda que existe uma dificuldade logística, já que são necessárias missões que exigem infraestrutura, com bote, gasolina, agentes e, claro, vacinas refrigeradas.

— Levar a vacina até comunidades distantes exige um esforço de organização para superar a dificuldade logística. Não é intransponível, mas fica mais grave quando tem ausência de coordenação. Exige boa vontade e competência — afirma.

Outro fator apontado pelo pesquisador é a violência provocada pelo garimpo, que deixa algumas áreas sem assistência e sob ameaça. Segundo ele, há relatos de que, quando as doses eram escassas e preciosas, houve troca de vacina por ouro por parte de garimpeiros, assim como desvio de imunizantes para outros grupos, sob alegação e difícil acesso por parte das autoridades.

Julia Pescarini alerta ainda para o impacto das fake news também entre agentes comunitários de saúde, que atuam na atenção da saúde indígena.

— Se há hesitação entre o agente comunitário, é muito difícil que a outra ponta aceite. E há relatos de hesitação vacinal entre os profissionais de saúde mesmo. Por outro lado, as lideranças indígenas entendem a importância de vacinação, tanto que foram ao Supremo Tribunal Federal para lutar pelos direitos e serem incluídos como grupo prioritário — diz.

Estêvão Senra reforça que a maior parte dos indígenas entende o valor da vacinação, não só contra a Covid, mas contra todas as doenças:

— Nas populações de recente contato as vacinas foram muito importantes. Lá pelos anos 1970, os indígenas passaram por epidemias terríveis de gripe e sarampo e foi só com vacinação em massa que tiveram estabilidade sanitária. Existe, sim, uma memória. De modo geral muitas comunidades são bem favoráveis e não oferecem resistência. Por isso também me surpreendeu essa resistência à vacina contra a Covid, mas acho que entraram outros fatores em jogo, talvez com outras vacinas o poder das fake news não fosse tão forte.

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