Jairo, que ele cita na mensagem, é o sargento da Marinha que foi enviado, mais cedo naquele 29 de dezembro, para retirar o conjunto milionário da alfândega do Aeroporto Internacional de Guarulhos.
Em outubro de 2021, os itens foram encontrados na mala de um assessor do Ministério de Minas e Energia e não foram declarados à Receita como item pessoal, o que obrigaria o pagamento de imposto. Por conta disso, acabaram retidos.
O conjunto valioso poderia ter entrado no Brasil sem o pagamento de imposto, desde que fosse declarado como presente para o Estado brasileiro, mas, neste caso, ficariam com a União.
“Então, ele [Jairo] tá voltando hoje à noite sem o material, beleza? Aí, na segunda-feira, a gente tem que ver aí como é que faz pra excluir aí o ofício, excluir a documentação que a gente fez com relação ao recebimento desse material, beleza?”.
Operação às pressas para pegar as joias
A secretaria da Ajudância de Ordens Priscilla Esteves ainda contou à PF que decidiu providenciar o documento que depois foi excluído, antes mesmo da retirada das joias, por causa do “tempo exíguo de mudança de governo”. No formulário, ela escreveu: “os itens encontram-se com o Presidente da República”.
À PF, ela relatou ter sido informada mais cedo pelo tenente Cleiton que o ex-ministro de Minas e Energia havia recebido um “presente destinado ao Presidente da República, que ficou retido na Receita Federal de Guarulhos”.
A documentação preparada por ela seria incluída em um outro processo documental exigido para recebimento de presentes.
A operação feita às pressas, caso bem-sucedida, passaria por cima do protocolo correto, que envolve ainda outro órgão ligado à Presidência, o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) do Gabinete Pessoal do Presidente da República.
Segundo determinação do Tribunal de Contas da União, todo presente recebido por um presidente, inclusive os entregues por autoridades estrangeiras, devem ser considerados públicos, com exceção de itens de “natureza personalíssima ou de consumo direto”. E é o GADH que tem que registrar e classificar os itens.
O conjunto de joias que teria sido classificado como “presente pessoal” na documentação inclui um colar, um par de brincos, um anel e um relógio feminino cravejados de diamantes.
Imagens da conversa entre Esteves e o contato salvo como “coronel Cleiton” incluem uma foto dessas joias.
Entenda abaixo qual seria o trâmite correto para a classificação de um presente:
Até o final de 2022, todos os presentes endereçados ao presidente eram encaminhados para o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) do Gabinete Pessoal do Presidente da República.
- Cabia, então, ao GADH cadastrar os itens recebidos em um sistema, o InfoAP (Sistema de Informação de Acervo Presidencial) – o que era feito independentemente da natureza jurídica, pública ou privada dos itens.
- Depois, o corpo técnico do GADH definia se determinado presente integraria o acervo público ou o acervo privado do presidente.
- Não há, na legislação, critérios específicos para definir o que seria um item de “natureza personalíssima”, ficando então à cargo da coordenação do GADH definir presentes privados a partir dessa classificação.
- Depois de determinado item ser classificado como privado, ele deveria ser encaminhado para uma “reserva técnica” – e não para as mãos do presidente –, onde ficaria até o fim do mandato.
- Apenas ao final do mandato, um item classificado como privado poderia sair da “reserva técnica” por solicitação do presidente.
Não caberia, portanto, a ninguém da Ajudância de Ordens definir se as joias retidas na alfândega eram um presente “pessoal” do presidente, isso deveria ter sido feito pelos integrantes do GADH, após a chegada dos itens físicos.
Também não caberia a ninguém da Ajudância de Ordens entregar as joias diretamente nas mãos de Bolsonaro antes da análise do GADH.
- Cleiton Henrique Holzschuk
“Todas as informações que o senhor Cleiton tinha para fornecer constam do seu depoimento como testemunha nos autos do inquérito em curso na PF e, por se tratar de procedimento sigiloso, não será possível fazer nenhum comentário sobre o tema”, diz a defesa de Cleiton.
O advogado Rodrigo Roca informou que ainda não teve acesso ao depoimento e que, por ora, não tem como se manifestar
“Tudo que eu tinha para falar sobre esse assunto eu falei no meu depoimento à PF. Não vou me manifestar mais.”
“A defesa do ex-Presidente Jair Bolsonaro reitera que jamais houve algum pedido ou determinação, a qualquer agente público, para que tomasse alguma atitude além dos estritos limites legais. Reitera, ademais disso, que a destinação de todos os presentes recebidos — à exemplo do que ocorreu em absolutamente todos governos anteriores —, era determinada pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, órgão em relação ao qual jamais exerceu qualquer influência ou demanda”, afirmou o advogado Paulo Amador da Cunha Bueno.