GERAL

População de rua, incluindo de brasileiros, aumenta em Portugal e Espanha

A população de rua nas principais cidades da Península Ibérica aumentou e ameaça as metas europeias e portuguesas para erradicar a situação, objetivo continental cada vez mais distante. Segundo relatos de especialistas, entidades que cuidam de moradores em situação de rua e os próprios sem-teto, em cidades como LisboaPortoMadri e Barcelona, os estrangeiros ampliam os números oficiais de pessoas que não têm casas, incluindo brasileiros e ucranianos.

O GLOBO conversou com um baiano de 37 anos que preferiu não revelar o nome. Em Portugal há um ano e três e meses, ele trabalhava com turismo em Salvador. Chegou em busca de uma vida melhor para ele, a mulher e a filha, mas conta que só encontrou trabalho na construção civil e que as condições eram precárias.

— Recebia menos que os demais trabalhadores. Era explorado, quase escravidão — disse ele, que vivia nos arredores de Aveiro e acabou perdendo o emprego e a casa. — Morei um mês e meio na rua em Ermesinde, perto do Porto. Fiquei deprimido, porque nunca passei por uma situação dessa na vida. Morava numa casa boa em Salvador. A minha sorte foi que consegui uma vaga em um albergue e me inscrevi em cursos profissionalizantes. Mas, mesmo assim, continuo em situação difícil, num momento de frustração, com zero rendimento, não estou aguentando a pressão.

Metas distantes

Para enfrentar a crise, países da região firmaram pactos e estabeleceram metas comuns, mas a resolução parece cada vez mais distante.

O Conselho de Ministros de Portugal aprovou, em 2017, a Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem Abrigo 2017-2023 (Enipssa). Em dezembro daquele ano, não tinham residência — ou seja, podiam viver na rua ou em albergues temporários — 4.414 pessoas em Portugal. Nos dados mais recentes do Enipssa, divulgados em meados do ano passado, com base na realidade de 2021, o número subiu para 9.604 , um aumento de 117% em quatro anos.

Na Espanha, dados do Instituto Nacional de Estatística revelam que “um total de 28.552 pessoas em situação de rua foram atendidas nos centros de alojamento e alimentação em 2022, 24,5% acima do registrado em 2012”.

Em 2021, foi lançada a plataforma europeia de combate ao problema, mas o caminho tem sido inverso. Em toda a União Europeia estima-se que pelo menos 700 mil pessoas estejam atualmente na rua ou em alojamentos de emergência e temporários, segundo informes recentes do bloco.

Para muitos, os dados podem estar defasados e só quem presta auxílio nas ruas pode medir a velocidade do avanço do problema em cidades gentrificadas, com preços inflacionados, em crise imobiliária e pressionadas pelo turismo de massa.

Nuno Jardim, diretor do Centro de Apoio ao Sem Abrigo (Casa) em Portugal, revela o drama de parte dos brasileiros recém-chegados e, na maioria das vezes, mal informados.

— Alguns brasileiros simplesmente pegam um avião, chegam e ligam para cá perguntando por alojamento porque acabaram de aterrissar e não têm onde ficar nem nada. E acabam por ir para a rua — constatou Jardim.

Falta de informação

Jardim contou o drama de um casal de brasileiros atendido recentemente:

— Disseram que venderam tudo no Brasil para vir para Portugal com a esperança de que as coisas seriam melhores aqui. Há falta de informação. Entram como turistas e, quando não dá certo, procuram apoio social .

Muitos desses brasileiros em situação de rua buscam alimentação em grupos como o Amigos De Rua², fundado há cinco anos pela brasileira Eva Nicoly, que distribui comida toda quarta-feira à noite em uma praça de Lisboa.

— São anos na missão e percebo que muitos brasileiros não querem que a família saiba que estão nessa situação. Distribuía 150 refeições e, agora, são 200 e não só para brasileiros, mas ucranianos e portugueses — disse ela.

E a capital portuguesa não é a única. A ucraniana Tanya Shumko, de 42 anos, passa pedindo esmolas na porta de um supermercado em Madri.

— Com a guerra, não posso voltar à Ucrânia. E não sei se consigo ficar na Espanha, porque estou com um problema nas costas que me impede de trabalhar. Recebo ajuda do governo, que vai acabar agora e, sem dinheiro, não consigo mais pagar o pequeno quarto que divido com outra pessoa — conta Shumko.

Ao redor da praça, camas improvisadas com papelão, colchões, travesseiros, além de malas e objetos, expõem a população de rua, que se multiplica pelo bairro La Latina e em outros locais, como perto da famosa Porta do Sol.

Até em cidades pequenas

Em Portugal, a presidente da Cáritas, Rita Valadas, conta que a ocupação das ruas se repete por todo o território e não apenas em Lisboa e Porto, onde há ações sociais constantes.

— O fenômeno acontece em todo o país, inclusive em cidades onde a população nunca tinha visto uma pessoa sem abrigo. Então, somando todos os locais, há um problema grande e muito complexo para resolver.

Apesar do comprovado aumento nacional, a prefeitura (Câmara) do Porto informou que a população de rua no município, que exclui a região metropolitana, teve uma diminuição de 83 pessoas em 2022, ou – 11,4% quando comparado a 2021. Existem, segundo a prefeitura, 647 pessoas em situação de sem abrigo na cidade e 59,5% seriam “provenientes de outros municípios”. O responsável pelo Enipssa em Lisboa não respondeu.

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