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Em meio a investigações, Mauro Cid e Anderson Torres trilham caminhos diferentes

Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, caminhavam lado a lado no governo de Jair Bolsonaro. Conselheiros do ex-presidente, os fiéis escudeiros se uniam para influenciar as decisões e os discursos inflamados do ex-mandatário. Ambos se tornaram alvos de investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) e chegaram a ser presos após os ataques golpistas de 8 de janeiro. A partir daí, o rumo da dupla mudou.

Cid está há 80 dias detido no Batalhão de Polícia do Exército, em Brasília. Toda manhã, o tenente-coronel da ativa deixa a cela de 20 metros quadrados por cerca de uma hora para o banho de sol, ocasião em que vai até uma praça onde pratica exercícios físicos acompanhado de outro militar. Acostumado a uma vida agitada, Cid se queixa do tempo ocioso, segundo o relato de uma pessoa de seu círculo próximo. Lê livros levados por seu advogado ou dados por amigos, recebe orientação religiosa de pastores e escreve bastante — inclusive anotações que possam servir para a sua defesa, que nega qualquer irregularidade.

Torres, por outro lado, aguarda a conclusão dos inquéritos em liberdade, depois de ter ficado 117 dias preso, de janeiro a maio deste ano. Delegado da Polícia Federal, ele é monitorado por tornozeleira eletrônica e é obrigado a se apresentar à Justiça semanalmente — o que tem feito por videoconferência. Impedido de conversar com outros investigados e de usar redes sociais, por determinação do ministro do STF Alexandre de Moraes, o ex-titular da Justiça decidiu abdicar do celular, de acordo com um interlocutor. Quem esteve com Torres relata que ele tem passado a maior parte do tempo em casa e recebe visitas de familiares.

O ex-ministro mora com a mulher e as três filhas num condomínio fechado em Brasília, localizado a cinco quilômetros da casa de Bolsonaro. O imóvel, um sobrado de três quartos, tem churrasqueira, uma piscina pequena e um quintal, onde Torres criava pássaros apreendidos por órgãos ambientais. Ele costuma colocar os pés nas ruas apenas para ir ao escritório de seu advogado, que refuta todas as acusações envolvendo o delegado da PF.

Visitas limitadas

Na prisão, Cid teve suas visitas limitadas a defensores e familiares mais próximos — sua mulher, Gabriela, as três filhas, a mãe e o pai, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid. A restrição se deu após o ex-ajudante de ordens ter recebido 73 visitantes (mais da metade deles, militares) em apenas 19 dias, número considerado “elevadíssimo” por Moraes. Na lista, estavam o coronel Jean Lawand Júnior, de quem Cid recebeu mensagens de teor golpista, o ex-comandante do Exército Júlio Cesar de Arruda, o ex-ministro da Saúde e deputado federal Eduardo Pazuello (PL-RJ) e o ex-secretário de Comunicação e advogado Fabio Wajngarten, que hoje defende Bolsonaro.

— Cid está preso sem acusação. Fica em uma sala onde um soldado traz a comida e depois retira o prato. Toda a família está com o sigilo quebrado, o que configura uma excepcionalidade absurda. A esposa e as filhas estão muito abatidas — conta o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS).

Um aliado de Bolsonaro observa que Cid tem preparo maior para lidar com as adversidades: além da formação militar, conta com o apoio do “grupo político Forças Armadas”. Seu pai, membro do topo da hierarquia militar, tem conversado com os amigos oficiais sobre o “momento difícil” vivido pela família, o que o transformou em um importante articulador na tentativa de criar um ambiente favorável à soltura do filho.

Suporte de militares

Além do suporte dos militares nos bastidores, Cid recebeu nas últimas semanas declarações públicas de apoio vindas do ex-presidente, de seu filho e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e de Wajngarten.

— Eu sou amigo das más horas. Estarei do lado dos amigos no momento que mais precisarem — disse Wajngarten ao GLOBO sobre as duas visitas que fez a Cid à prisão.

Cid vinha se mantendo em silêncio, mas, em seu último depoimento, no final de junho, decidiu colaborar. Segundo uma pessoa a par da investigação, ele respondeu pela primeira vez às perguntas sobre mensagens golpistas encontradas em seu celular. Afirmou que enviou para si mesmo (do WhatsApp pessoal para o “business”) a minuta de um documento que declarava estado de sítio no país para lê-la posteriormente na tela do computador, uma prática habitual.

Já Torres demonstrou grande abatimento no período no cárcere, perdeu peso e desenvolveu uma depressão, a qual trata até hoje. Em mais de uma ocasião, emitiu sinais de que se sente “abandonado”. Uma das principais preocupações do ex-ministro hoje é com o processo administrativo aberto na Polícia Federal que, no pior cenário, pode levá-lo à perda do cargo de delegado e o comprometimento da sua renda familiar.

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