“O rio encheu, mas as pessoas ainda não voltaram por completo. No fim de semana, o movimento é bom, mas na semana ainda tá bem fraco. A clientela sumiu. E com isso, a gente não consegue mais viver só do serviço. É preciso arrumar outra fonte de renda “, disse o marinheiro Misael Oliveira, de 36 anos, que trabalha há 8 no local.
Já no Lago do Puraquequara, na Zona Leste de Manaus, a situação é bem diferente. Os comerciantes do local dizem que, com o fim da estiagem severa, os clientes voltaram a “invadir” o local e movimentar a economia.
“Não encheu 100% ainda, mas a água tá subindo aos poucos. E aí a clientela voltou. Estamos recebendo turistas e gente de todas as classes que vêm aos fins de semana. [Final de semana] isso aqui lota. O rio é o ponto turístico e as pessoas vem pra ver ele. Quando o rio encher mais vai ficar ainda melhor”, contou o comerciante Erick Santos, de 29 anos.
Mas o lago também vive outro problema. É que com a seca, a vegetação cresceu e, com a subida das águas, ela se soltou da terra formando placas de capim, conhecidas como “canaranas”. O problema tem afetado quem trabalha no local todos os dias, porque prejudica a navegação.
“Quando secou, o capim cresceu e agora ele começou a soltar e foram se formando blocos de capim, que ficam se movimentando. Com isso, é difícil navegar porque é muito capim. O lago fechou. Ninguém entra e ninguém sai”, disse o sucateiro Izael Santos.
O trabalhador também reclamou da falta de solução por parte das autoridades para resolver o problema. “Até o momento não veio ninguém aqui pra ver essa situação, porque prejudica o nosso trabalho, já que as pessoas não estão desembarcando aqui no lago, e nem as pessoas que moram perto conseguem chegar até aqui. É uma situação difícil”.
Lago Tefé de volta à normalidade
Outro cenário que também mudou com o início da cheia dos rios é o Lago Tefé, no interior do Amazonas. No local, a vazante causou a morte de mais de 200 botos e transformou em estrada o rio que interliga as cidades de Tefé e Alvarães.
Segundo a pesquisadora Miriam Marmontel, do Instituto Mamirauá, hoje o cenário é de normalidade no lago. “É um momento bem diferente daquele que vivemos de setembro a novembro de 2023. As águas subiram bastante, enchendo até bem mais rápido do que o esperado”, explicou.
Apesar do cenário ser mais tranquilo, o instituto ainda estuda o que causou a morte dos animais e os verdadeiros motivos da mortandade:
“Ao todo foram 219 botos mortos e nós conseguimos necropsiar a maior parte deles. Alguns desses perdemos, mas nós conseguimos estudar a maioria. A causa da morte ainda não está esclarecida oficialmente, temos análises em processamento com alguns parceiros, mas temos componentes que podem ter contribuído para isso, como, as altas temperaturas e a baixa profundidade em função das mudanças climáticas globais”, disse.
Ainda segundo a pesquisadora, outros fatores também podem ter influenciado na mortandade dos animais, como, comorbidades, baixa umidade, qualidade péssima do ar, queimadas e até algas que, até então, não tinham sido detectadas no lago.
Mudanças climáticas impactam biodiversidade
Segundo o ambientalista Erivaldo Cavalcanti, da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), os eventos climáticos que estão ocorrendo com mais frequência, como a seca extrema que atingiu o estado em 2023, pode impactar o ecossistema, ameaçando, assim, a biodiversidade do planeta.
“Na nossa região esse é o maior impacto, pois esses eventos afetam diretamente o El Niño, que altera toda a nossa biodiversidade com extremos hídricos, seja pela seca prolongada, como ocorreu no ano passado, ou com cheias incomuns que podem acontecer”, avaliou.
O pesquisador também apontou que as mudanças climáticas ocasionadas pela ação humana, atreladas ao El Niño, foram fundamentais para potencializar o fenômeno da seca severa: “Esse binômio de El Niño mais ação humana representa o principal motivo desse fenômeno vivido no estado”.
O ambientalista também disse que para ajudar a evitar novos episódios extremos, é preciso combater a poluição e o uso excessivo de recursos naturais:
“Temos aí também a expansão da fronteira agrícola em detrimento dos habitats naturais e a expansão urbana, e tudo isso coloca em xeque as espécies animais e vegetais. E aí podemos agregar os impactos futuros em virtude do ciclo reprodutivo na biota, além da quantidade brutal de carbono que ao ser jogado na atmosfera, intensifica ainda mais o aquecimento global que já está em estado crítico, um exemplo muito nítido se faz presente nos regimes hídricos da região”, finalizou.