Projeto de naturalização da Lagoa Rodrigo de Freitas completa primeiro ano com resultados significativos
O projeto de naturalização da Lagoa Rodrigo de Freitas, iniciado no dia 20 de junho de 2023, completou seu primeiro ano com resultados significativos. A iniciativa da Prefeitura do Rio, por meio da parceria da Subprefeitura da Zona Sul com a Fundação Rio-Águas e com a coordenação técnica do biólogo Mário Moscatelli e sua filha, a paisagista Carolina Moscatelli, já apresenta uma explosão de biodiversidade na área naturalizada.
Realizado em uma área de 1.500 metros quadrados na altura do Parque do Cantagalo, o processo de naturalização é uma solução baseada na natureza para acabar com os constantes alagamentos da região, que ainda era cortada por um trecho da ciclovia. Com o projeto, o percurso da ciclovia foi modificado e, depois de mais de 100 anos com sucessivos aterramentos, a Lagoa está voltando a crescer. Uma iniciativa que vai ao encontro do modelo de “Cidades Esponja”, utilizado para oferecer soluções às áreas inundáveis.
Com a participação de alunos do 5º ano da Escola Municipal Edna Poncioni, localizada na Lagoa, e de estudantes de Geografia da UFRJ, as celebrações do 1º aniversário aconteceram na quinta-feira (20/6), na área naturalizada. Juntos, os estudantes tiveram a oportunidade de fazer uma visita guiada na área com Mário Moscatelli e Carolina. Soltaram cerca de 50 caranguejos do tipo guaiamuns, espécie ameaçada de extinção, além de realizar o plantio de mudas de Clusia, uma espécie muito utilizada em plantios na restinga.
– O projeto de naturalização, que completa um ano, é um pequeno fragmento daquilo que foi tomado da Lagoa ao longo dos anos. Rapidamente já mostra em sua exuberância vegetal e animal o quanto os processos naturais, quando não contrariados, podem colaborar decisivamente para a qualidade ambiental das demais espécies e da vida humana. Sem a necessidade de megainvestimentos, mas unindo a colaboração do poder público e da iniciativa privada, é possível resolver de forma eficiente em termos ambientais. Esse é o caminho. Se o caminho não for seguido será necessário pagar um preço alto em termos financeiros e de vidas humanas – explicou Moscatelli, coordenador-técnico do projeto, biólogo, mestre em ecologia e especialista em gestão e recuperação de ecossistemas costeiros.
Durante o evento, a Prefeitura também anunciou que a Fundação Rio-Águas está licitando o segundo trecho do projeto, na altura do Parque dos Patins. Será devolvida uma área de 485 metros quadrados à Lagoa e parte da ciclovia será desviada. O trecho que alagava será reintegrado ao corpo hídrico e, assim como ocorreu no primeiro trecho, servirá de habitat para animais e berçário para plantas nativas. Os serviços incluem a retirada de pavimentação, aumentando a área permeável da margem, recolocação de cerca protetora em novo alinhamento e a construção do passeio em concreto. A licitação está marcada para o dia 26 de junho.
O subprefeito da Zona Sul, Bernardo Rubião, ressaltou que a subprefeitura acertou na parceria com o Mário Moscatelli para solucionar a questão dos alagamentos no entorno da Lagoa:
– Quando poder público e cientistas caminham juntos, a probabilidade de acertar é muito maior. Esse projeto é um sucesso e, em breve, vamos iniciar a naturalização do segundo trecho, na altura do Parque dos Patins.
O presidente da Fundação Rio-Águas, Wanderson Santos, falou da importância de soluções como esta para a cidade.
– Estamos comemorando um ano deste projeto de naturalização na Lagoa Rodrigo de Freitas. Antes, essa área era degradada e sofria com alagamentos. Os resultados já percebemos aqui, com ganhos ambientais e de biodiversidade. É uma nova forma de pensar a cidade, com soluções baseadas na natureza e mais sustentáveis. Esse projeto é um gesto simbólico de devolver essa área para a Lagoa. Temos ainda uma segunda etapa que vai recuperar outro trecho, próximo ao Parque dos Patins, nos moldes do que fizemos aqui, eliminando um ponto de alagamento na ciclovia.
A paisagista Carolina Moscatelli explicou sobre a transformação da área com a naturalização.
– A área de naturalização da Lagoa, antes um gramado e trecho de ciclovia periodicamente inundados, hoje abriga espécies de brejo, transição e restinga que se comunicam com a franja de manguezal pré-existente. Esse mesmo modelo vem sendo utilizado em países como a Alemanha, em áreas urbanas, no sentido de aumentar a permeabilidade do solo e incrementar a população de insetos polinizadores, essenciais para a reprodução vegetal. Após quase um ano da implantação do projeto, notamos que o local foi bem recebido e se tornou mais um abrigo para a fauna. Passando pela área, mesmo em dias de grande movimento na lagoa, como final de semana e feriado, o local nos remete aos sons de áreas verdes isoladas da malha urbana. O som de grilos, gafanhotos, insetos polinizadores e insetos que promovem o controle biológico, tal como as libélulas, ecoam na região e nos mostram que essa pequena franja de área naturalizada no coração da zona sul virou lar para inúmeras espécies.
Beatriz Sampaio, diretora adjunta da Escola Municipal Edna Poncioni, acompanhou as crianças e comemorou a oportunidade de participar de um projeto tão importante.
– A Lagoa faz parte do cotidiano da nossa escola, olhamos para esse visual deslumbrante todos os dias. O convite para participar desse projeto foi muito importante para os nossos alunos. Além deles conhecerem um pouco mais da biodiversidade da Lagoa, ainda puderam colocar a mão na massa soltando caranguejos e plantando mudas. Agora as crianças também podem dizer que participaram dessa transformação.
Julia Couto, estudante do 6º período de Geografia na UFRJ, também foi conferir os resultados da área naturalizada e ressaltou a importância de solucionar o problema dos alagamentos com um projeto moderno, levando em consideração a realidade local.
– Foi muito interessante conhecer melhor o projeto de naturalização da Lagoa. Fiquei feliz pela escolha de um projeto moderno e pensado a longo prazo, que valoriza a biodiversidade e a natureza. O que é muito mais inteligente, eficiente e sustentável do que a utilização de concreto para solucionar as questões de alagamento que aconteciam antes. Além disso, espero que o projeto se expanda e mais áreas como aquela voltem a ter sua vegetação original para que o mangue seja uma paisagem cada vez mais comum na Lagoa Rodrigo de Freitas.
Novas espécies de fauna e flora na área naturalizada
Para a naturalização da área, novas espécies de flora foram introduzidas, como mudas de grama de mangue, samambaia do brejo, algodoeiro de praia e mangue vermelho. Da fauna, diversas espécies têm aparecido na área, além dos já conhecidos colhereiros, capivaras, guaiamuns e saracura. Um frango d’água escolheu a área naturalizada para chocar três ovos e os filhotes da ave aquática já nasceram e circulam tranquilamente no local. Também há novos frequentadores, como o bate-bico (Phleocryptes melanops), que só havia sido visto na década de 80 em Guaratiba, o mergulhão caçador (Podilymbus podiceps), que gosta de fazer ninho em áreas alagadas, e o Casaca-de-couro-da-lama, uma ave endêmica do Brasil.
Importância da grama de mangue e outras espécies
Muitas pessoas observam a grama de mangue e outras espécies vegetais na área naturalizada e confundem com mato alto, quando na realidade são espécies que têm uma funcionalidade importante para a preservação do ecossistema. Essas espécies têm o papel de atuar pela antierosão. Na área naturalizada, a grama de mangue funciona como abrigo para a fauna e tem capacidade de remediar potenciais elementos tóxicos que estejam no solo e/ou na água. Em uma lagoa urbana, ainda há a questão da poluição difusa que escoa junto com a chuva pela galeria de águas até o espelho d´água. Para garantir mais informação para os visitantes da Lagoa, placas informativas foram instaladas na área naturalizada apresentando o projeto e as espécies de fauna e flora existentes, além de sua importância para o ecossistema.
Boneco “protetor ambiental” e guardião da naturalização
Para conter a falta de educação de alguns frequentadores, prevenir a entrada de cães e até de pessoas na área de naturalização, que é cercada, e podem matar mudas de espécies que foram introduzidas, foi necessária a instalação de um boneco Protetor Ambiental. Ele tem a função de conscientizar para evitar que a área seja invadida, além de “dialogar” com crianças e adultos. Ele foi inspirado no biólogo Mário Moscatelli.