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Glocal Experience: água e saneamento no centro dos debates na Marina da Glória

A premissa de que o acesso à água e ao saneamento é um vetor para o desenvolvimento social conduziu ontem a Conferência da Glocal Experience, na Marina da Glória. E com o intuito de resolver as complexas equações para se atingir esse objetivo, lideranças de diferentes setores apontaram estratégias e desenharam cenários futuros que passam não só pelos investimentos — às vezes bilionários — em obras. Mais eficácia na governança de projetos, tecnologias inovadoras, educação ambiental e mobilização, tanto da população quanto de governos, empresas e entidades da sociedade civil, foram alguns dos caminhos apontados com o objetivo de, além de reverter passivos ambientais como a degradação da Baía de Guanabara, garantir dignidade às milhões de pessoas que hoje vivem sem água e esgotamento sanitário.

— O saneamento muda a história de uma família, todo o patamar de uma geração — sintetizou Luana Siewert Pretto, CEO do Instituto Trata Brasil na palestra “Saneamento é questão de justiça social”.

Como um laboratório de ideias e ações para o cumprimento da Agenda 2030, baseadas nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, a Glocal Experience é uma iniciativa da Dream Factory, com a co-realização da Editora Globo e os parceiros oficiais de mídia O GLOBO, Extra, Valor e CBN. O acesso ao evento é gratuito. Basta fazer um cadastro no site glocalexperience.com.br ou na entrada da Glocal Experience, na Marina da Glória.

Nos debates de ontem, lembrou-se que o ODS 6, sobre água potável e saneamento, é indissociável de todos os demais objetivos, como o relacionado à saúde. E se é verdade que seu cumprimento alavanca o desenvolvimento, a mão contrária também é verdadeira, ressaltaram palestrantes. Quanto maiores os gargalos na garantia desses direitos básicos do cidadão, mais se ampliam as desigualdades sociais.

Nicola Miccione durante a palestra
Nicola Miccione durante a palestra Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

— No debate do enfrentamente da desigualdade social, o saneamento é uma das questões mais perigosas, porque influencia em outros pontos, como na saúde — afirmou Preto Zezé, presidente da Central Única das Favelas (Cufa).

Nesse sentido, Nicola Miccione, secretário-Chefe da Casa Civil do governo do Rio, frisou que uma pessoa com saneamento vive 10 anos a mais que outra sem acesso a ele. Lembrou-se ainda que há mais de 30 doenças diretamente associadas à falta de saneamento. Luana Siewert Pretto, do Trata Brasil, lembrou que inclusive essa carência pode estar relacionada inclusive às enfermidades ginecológicas.

— Onde há saneamento, há 63% de redução das doenças ginecológicas — disse ela, enumerando outros aspectos da vida das pessoas que a ausência de água e esgoto impacta. — Em média, a cada episódio de diarreia, uma criança fica cinco dias fora da escola. Estudos apontam três anos de atraso escolar em locais sem saneamento. É uma questão que afeta até nas notas do Enem.

Nesse cenário, a necessidade de engajar as pessoas no tema, até para cobrar das autoridades seus direitos, foi apontado como uma ação chave. Vinicius Lopes, morador da Maré e um dos responsáveis pelo Cocozap (canal pelo WhatsApp no conjunto de comunidades), lembrou que a naturalização dos problemas relacionados a água e esgoto é um dos maiores obstáculos que o projeto enfrenta.

— Nossos números apontam que 98% das pessoas na Maré têm acesso à água. Mas grande parte não tem acesso a qualquer momento, às vezes só três horas por dia. E muitos acham que isso é normal, adaptam suas vidas a essa situação — relatou ele.

Segurança hídrica

Segurança hídrica foi outro ponto central dos debates. E ainda que 12% da água doce do mundo esteja no Brasil, 75% estão na Amazônia, ponderou Fernando Veiga, diretor de conservação da América Latina no The Nature Conservancy. Mas 40% da população do país, continuou ele, está concentrada na Região Sudeste, que detém apenas 6% desse manancial.

— Muito se fala que o Brasil é um país abençoado em volume de água, mas a água é mal distribuída, com locais de escassez hídrica – ressaltou Veiga, afirmando que a preservação dos mananciais é uma atividade fundamental para a economia do país. — Hoje, as bacias hidrográficas estão cada vez mais degradadas. É preciso conscientização para que a gente possa reverter isso, de forma urgente e em escala.

Conter o desperdício de água potável também é fundamental, destacaram diferentes debatedores. Edson Carlos, presidente do Instituto Aegea, lembrou que, na média nacional, o quanto se perde da água produzida para consumo chega a cerca de 40%:

— Cada litro que você perde é um litro que você tem que ir na natureza buscar. A principal recomendação é uma só: conscientização.

Leonardo Righetto, CEO da Águas do Rio, ressaltou o mesmo desafio:

— Não podemos conviver com esse índice. É insustentável econômico e ambientalmente. Quando falamos em crise hídrica, é importante pensar que não se deve solicitar do manancial mais do que o necessário.

Veja fotos da Glocal Experience, conferência que começa nesta quarta-feira na Marina da Glória

Ele participou da mesa que reuniu representantes das empresas privadas responsáveis pelo saneamento do Rio, em que se ressaltou o compromisso social assumido por elas após a concessão dos serviços da Cedae. Foram ressaltados investimentos previstos como R$ 2,7 bilhões nos próximos anos para a construção de um cinturão para coleta do esgoto no entorno da Baía de Guanabara – um patrimônio fluminense e nacional que voltou pauta em diferentes palestras ontem.

— Desde os anos 1980 se ouve falar de investimentos bilionários na Baía. Até agora não veio nada. Nosso compromisso é entregar a Baía de volta ao carioca e Fluminense — garantiu Alexandre Bianchini, diretor presidente da Águas do Rio, responsável pelo saneamento em grande parte do entorno da Baía.

Ele lembrou que, além das novas obras, garantir a operação de estruturas já existentes, como as ETEs da Penha e Alegria, já têm impacto. E citou como exemplificou a limpeza em andamento do interceptor oceânico entre as proximidades do Aeroporto Santos Dumont até Copacabana, de onde já foram retiradas cerca de 800 toneladas de lixo que diminuía sua vazão. Até um patinete elétrico, disse ele, já foi encontrado. Com isso, foi possível ligar ao inteceptor rios poluídos que desaguavam na Praia de Botafogo, medida que contribuiu para que, este mês, um dos recantos da Baía mais poluídos do Rio estivesse, pela primeira vez em 20 anos, balneável em dois boletins de monitoramento seguidos.

Já em outra palestra, foi destacado como avanços em saneamento garantiram que, do ano 2000 para cá, melhorasse consideravelmente a qualidade das águas da Lagoa de Araruama.

São melhorias que impactam também os oceanos, nos quais a ONU prevê que, em 2050, haverá a mesma quantidade de plástico do que a de peixes, destacou-se na palestra “Um outro olhar para o oceano”. Cenário dramático que demanda ações urgentes.

— A maior luta é contra a desinformação, contra setores que tentam enganar a gente dizendo que não temos um problema a resolver. E não temos muito tempo. Temos que botar as mãos à obra — alertou a jornalista Sonia Bridi, autora do livro “Diário do Clima”, logo na abertura do dia na Conferência.

Veja a programação desta sexta (15)

Conferência:

9h50: Resíduos sólidos: novas dinâmicas sociais, velhos problemas estruturais, com Phelippe Daou Junior, do Grupo Rede Amazônica, Jacob Silva Paulsen, da Embaixada da Suécia, e mediação de Naiara Bertão, do Valor Econômico.

11h45: Por uma economia circular, colaborativa e solidária, com Lisbeth Randers, da Symbiosis, e Julia Luchesi, do Manuia.

15h: Como tornar justa a transição energética, Nicole Oliveira, Francisco Scroffa, da Enel, e mediação de Robson Rodrigues, do Valor Econômico.

16h15: Brasil, uma potência energética?, com Ansgar Pinkowski, da AHK Rio, Suzana Kahn, da COPPE UFRJ, e Sandro Yamamoto, da ABEEólica.

Arena de diálogos:

11h: Oceanos e Bluetechs, com Ana Asti, da Secretaria estadual de Meio Ambiente, e Marcos Bastos, da UERJ.

15h: Clima e Sociedade: o grito das juventudes, com mediação de Leandra Leal.

Outras atrações:

Debate – 11h30: O setor de Entretenimento e a Agenda 2030 da ONU, com Roberta Medina, VP executiva do Rock in Rio, Rodrigo Cordeiro, Dream Factory e diretor da Glocal Experience.

Show – 17h30: Jonathan Ferr com intervenções da VJ Andressa Núbia.

Cinema – 18h30: Mostra de Filmes #OUSAR SONHAR: O começo da vida 2: Lá fora.

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