Centro Cultural Rio-África: prefeitura lança concurso internacional para arquitetos negros
Objetivo é selecionar projetos para a construção do novo espaço para valorizar a herança negra, na Zona Portuário do Rio
Em um ambiente tomado por muita emoção, com decoração, músicas e cânticos que evocavam a ancestralidade africana, a Prefeitura do Rio e o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) lançaram, nesta quinta-feira (4/7), o concurso que vai selecionar projetos arquitetônicos para a construção do novo Centro Cultural Rio-África. O espaço ocupará o antigo prédio da maternidade Pró-Matre, na região da Pequena África e próximo ao Cais do Valongo, na Zona Portuária do Rio de Janeiro.
A Companhia Carioca de Parcerias e Investimento (CCPAR) e a Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial da Casa Civil coordenam o projeto ao lado do IAB.
– Vamos pegar essa maternidade e fazer um museu, o espaço da memória africana aqui no Rio de Janeiro. Aquele museu que tem em Washington, vamos fazer o daqui mais bonito, raiz, muito melhor. Isso aqui é Brasil – afirmou o prefeito Eduardo Paes, ao anunciar o concurso que escolherá o projeto do novo museu. Ele lembrou que essa é uma história que precisa ser contada, expondo todas as desigualdades e feridas do Brasil:
– Essa cidade não vai melhorar, o Brasil não vai melhorar, enquanto a gente não entender que a nossa tragédia é essa desigualdade que bate principalmente no povo preto. Não é uma assinatura de convênio, não é um momento de celebração. Vai sair, sim, esse centro cultural, pra que essas vísceras e essa história sejam expostas, para que o povo possa conhecer, e a gente possa, a partir disso, corrigir as injustiças.
Além do prefeito Eduardo Paes, a cerimônia contou com a presença de representantes do poder municipal, como o coordenador de Promoção e Igualdade Racial, Yago Feitosa, o secretário da Casa Civil, Lucas Padilha, e o presidente da CCPar, Gustavo Guerrante. Entre as lideranças e representantes da comunidade negra no Rio, destaque para a linguista e escritora Maria da Conceição Evaristo, a socióloga e historiadora Maria Moura, e a atriz e poetisa Elisa Lucinda. O grupo Afoxé Filhos de Gandhi entoou canções e havia painéis destacando personalidades como o escritor Machado de Assis, João Cândido, Tia Ciata, Tia Dadá, Madame Satã e a própria Conceição Evaristo.
Ao todo, serão distribuídos R$ 105 mil aos três primeiros colocados, e o grande vencedor será contratado para o desenvolvimento do projeto de cerca de R$ 30 milhões. O concurso está aberto a arquitetos negros brasileiros e africanos de língua oficial portuguesa com assento no Conselho Internacional de Arquitetos de Língua Portuguesa (CIALP). Fazem parte do CIALP, os arquitetos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
Serão selecionados os três projetos com melhor solução técnica para a implementação do Centro Cultural Rio-África. O espaço tem por objetivo valorizar a cultura afro-brasileira, com ações que produzam e provoquem interpretações sobre a ancestralidade afrodiaspórica, o passado e o futuro da região portuária. Serão oferecidos conteúdos sobre a Pequena África, sua história, personagens e o desenvolvimento urbano desse território. O espaço será um local para promover a arte e a cultura contemporânea afro-brasileira e também vai registrar a evolução urbana do território, onde há o maior conjunto de remanescentes da presença africana na cidade, com destaque para o Cais do Valongo.
– O Centro Cultural Rio-África é um equipamento de cultura, de arte contemporânea negra que é inédito na cidade. Ela não concorre com nenhum outro equipamento, uma vez que ela se propõe a valorizar a arte contemporânea negra e está centrada nos valores do afro-futurismo. Nós, jovens negros que herdamos os legados africanos, temos a responsabilidade de construir novos legados para as gerações futuras –explicou Yago Feitosa, destacando a importância do novo espaço cultural para o Rio de Janeiro.
A iniciativa da Prefeitura é parte de um conjunto de ações desenvolvidas para a promoção da igualdade racial. Por meio da Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial, a Prefeitura criou a Cátedra da Pequena África e Território Inventivo, com o intuito de produzir conhecimentos e instrumentos de valorização desse território. A prefeitura mantém também, através da Secretaria Municipal de Cultura, o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB), situado na Pequena África e que conta a história da região onde ocorreu o maior desembarque de africanos escravizados no mundo, de importantes marcos de afirmação negra no Brasil e do desenvolvimento da cultura afro-brasileira.
O concurso será dividido em quatro fases, iniciado em junho, com a pré-produção. De 5 julho a 30 agosto serão abertas as inscrições. O envio das propostas deverá ocorrer até 30 de setembro.
– O concurso é a forma mais democrática de escolher os projetos e promoverá a conscientização da necessidade de construirmos uma sociedade mais justa, mais solidária, menos desigual e menos racista –afirmou a presidente do IAB, Marcela Ablas. Ela anunciou ainda a realização nesta sexta-feira (5/7), às 19h, de uma live, no canal oficial do IAB no Youtube, para apresentar mais detalhes do concurso.
Os participantes deverão levar em consideração algumas linhas de pesquisa de conteúdo e formação de acervo no circuito expositivo a ser proposto para o Centro Cultural Rio-África: Memória, História e Cultura daqueles que por ali passaram e ali viveram; Arte afro-brasileira; Presença cultural afro-brasileira nas manifestações culturais e Território, destacando as diversas transformações espaciais da zona portuária.
Para Maria Conceição Evaristo, o novo espaço vai preservar, divulgar e guardar a memória negra do Rio de Janeiro:
– Celebra-se a memória do passado, de modo que possa ser um espaço que em que se faça uma crítica do presente. E que possa pensar num Brasil mais justo, mais democrático em que todos nós tenhamos nossos lugares, nossos espaços de cultura.
Ao seu lado, Elisa Lucinda considerou “genial e revolucionária” a ideia do novo centro cultural. E exaltou a opção por arquitetos negros para o desenvolvimento do projeto.
– A gente está recuperando o nosso lugar, o Cais do Valongo, a Pequena África. Há uma grande ingratidão do mundo e está na hora de nos ressarcir.