Fiocruz desenvolve impressora 3D que usa biotinta para produzir tecidos biológicos
Uma tecnologia para fabricação de bioimpressoras 3D de baixo custo e de código aberto, desenvolvida pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) com a colaboração da Universidade Veiga de Almeida (UVA), pode chegar ao mercado em breve. A bioimpressão 3D permite obter tecidos biológicos artificiais com potencial para aplicação na pesquisa biomédica, na saúde humana e animal e até na indústria de alimentos.
O equipamento funciona de forma semelhante a uma impressora 3D convencional. No entanto, enquanto a impressora 3D utiliza materiais como plásticos e outros polímeros para imprimir objetos, a bioimpressora utiliza biotinta para imprimir estruturas semelhantes a tecidos biológicos em laboratório.
Um dos líderes do projeto, o pesquisador do Laboratório de Comunicação Celular do IOC, Luiz Anastacio Alves, explica que a biotinta é composta de células vivas imersas em hidrogel de biopolímeros. Este material rico em proteínas, como o colágeno, promove a adesão das células, de forma similar ao que ocorre no organismo. “A bioimpressão constrói uma estrutura tridimensional, com melhor interação entre as células, produzindo um microambiente semelhante ao que temos no organismo. Isso favorece resultados mais fidedignos do que as culturas de células em 2D. Além disso, permite a construção de estruturas complexas, similares a tecidos biológicos e órgãos, que podem ser utilizadas para pesquisa clínica e transplante”, afirma o pesquisador.
O desenvolvimento da tecnologia foi financiado pelo Programa Redes de Pesquisa em Saúde do Estado do Rio de Janeiro, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj).
A partir dos resultados alcançados, os pesquisadores vão dar início a uma nova etapa de desenvolvimento tecnológico. Egresso da pós-graduação do IOC/Fiocruz, o biomédico Anael Viana foi selecionado no edital Programa Doutor Empreendedor: Transformando Conhecimento em Inovação, da Faperj.
A proposta contemplada, submetida com apoio do Laboratório de Comunicação Celular do IOC e da companhia QuipoTech, visa constituir uma empresa para desenvolver e produzir bioimpressoras 3D e biotintas.
A expectativa é de que o projeto possa dar origem à primeira spin-off do Instituto. Figura relevante no cenário contemporâneo da inovação, as spin-offs são empresas criadas para explorar comercialmente um conhecimento, tecnologia ou resultados de pesquisa desenvolvidos numa instituição de ciência e tecnologia.
Potencial para pesquisas e transplantes
Um dos exemplos de sucesso baseados na utilização de bioimpressoras 3D é a produção de pele artificial. A estratégia tem sido usada no tratamento de pacientes com lesões extensas causadas por queimaduras e em testes de novos medicamentos e cosméticos.
Os especialistas destacam o potencial da tecnologia para o desenvolvimento de terapias e transplantes. “A bioimpressão tem grande potencial para produzir modelos de estudo para investigar mecanismos biológicos complexos e realizar ensaios toxicológicos de novos fármacos, diminuindo o uso de animais em pesquisas”, afirma Anael, que é doutor pelo Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular do IOC/Fiocruz.
“Tecidos mais simples, como pele, córnea e cartilagem, já foram produzidos e testados como prova de conceito. A expectativa é de que, no futuro, seja possível a impressão de órgãos complexos como coração, pulmão e rins”, ressalta Luiz Anastacio, que orientou Anael na pós-graduação e endossou a proposta para o programa Doutor Empreendedor.
Mercado em expansão
O preço de uma bioimpressora convencional varia de 13 mil a 300 mil dólares. O custo da biotinta fica entre 3,85 e 100 mil dólares por grama. O alto custo dos equipamentos e a previsão de expansão da área reforçam a importância do projeto.
“A produção destes equipamentos é importante para o Brasil, que tem um déficit na balança comercial de bilhões de reais em insumos de saúde. Com inovação e produção nacional, o país ganha independência e pode passar essa tecnologia para países mais pobres, de baixa renda”, aponta Luiz.
“A tecnologia da bioimpressão está em franco crescimento. Atualmente, o valor desse mercado é estimado em 1,5 bilhão de dólares, e a estimativa é alcançar 6 bilhões nos próximos cinco anos. Isso significa que temos margem para desenvolver os produtos e crescer junto com o mercado”, avalia Anael.
Tecnologia aberta
Na base do projeto, está a tecnologia para produção de bioimpressoras de baixo custo com material reciclado, que foi apresentada em artigo publicado na revista científica Frontiers in Bioengineering and Biotechnology no ano passado.
O equipamento foi construído com sucata e componentes eletrônicos facilmente encontrados no mercado, com um custo aproximado de mil reais. O desenvolvimento foi liderado por Luiz Anastácio em parceria com o físico José Aguiar Coelho Neto, professor da UVA e pesquisador do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi).
Seguindo a linha dos equipamentos médicos e experimentais abertos (chamados de open-source hardware), os pesquisadores utilizaram metodologias de código livre e publicaram o passo-a-passo para a construção da bioimpressora em um repositório aberto. “Demonstramos que as células na biotinta permaneceram viáveis por mais de sete dias após a impressão realizada com a bioimpressora de sucata, o que é um prazo suficiente para muitos experimentos e até procedimentos médicos. Isso permite que grupos de pesquisa com poucos recursos tenham acesso à tecnologia”, destaca Luiz.
Duas bioimpressoras foram produzidas com a metodologia. O modelo mais recente vem sendo usado em um projeto de pesquisa que visa a produção de minifígados para transplantes.
Etapas do projeto
O programa Doutor Empreendedor tem duração prevista de dois anos. Em dez meses, deve ser oficializada a abertura da nova empresa e, ao final do prazo, está prevista a apresentação dos produtos desenvolvidos. O equipamento comercial será produzido a partir dos conhecimentos adquiridos na construção da bioimpressora aberta. O objetivo é desenvolver um modelo com três bicos de extrusão, que permita produzir pele e outros tecidos mais complexos.
“Comparando com uma impressora comum, seria como ter um equipamento com três cartuchos de tinta. Com uma bioimpressora de três bicos, podemos usar três biotintas diferentes e produzir um tecido complexo, com três tipos celulares, como, por exemplo, um minipâncreas”, explica Anael.
As outras etapas do projeto incluem o aprimoramento do software para operação do dispositivo e a elaboração de biotintas. “Já temos um software, desenvolvido com código livre, e vamos acrescentar modificações para facilitar o uso do cliente. Além disso, queremos desenvolver duas biotintas, uma compatível com tecidos humanos e outra compatível com tecidos animais, para atender às áreas da saúde humana e veterinária”, conta Anael.