Nos 150 anos do nascimento de Oswaldo Cruz, Brasil enfrenta desafios em saúde pública
No dia 5 de agosto de 1872, nascia na cidade de São Luís do Paraitinga, na região do Vale do Paraíba, no estado de São Paulo, Oswaldo Gonçalves Cruz. Filho do médico Bento Gonçalves Cruz e de Amália Taborda de Bulhões, primos e nascidos no Rio de Janeiro.
Peste bubônica, varíola e febre amarela. Estes foram apenas alguns dos diversos desafios em saúde pública enfrentados no início do século 20 no país, que marcaram a trajetória de um dos mais conhecidos cientistas brasileiros.
Em 1903, foi nomeado diretor-geral de Saúde Pública, cargo semelhante ao de atual ministro da Saúde. No governo do presidente Rodrigues Alves (1902 a 1906), Oswaldo Cruz se comprometeu a erradicar a febre amarela do Rio de Janeiro, então capital do país, num prazo de três anos. Para isso, ele acreditava que o controle do mosquito transmissor era fundamental.
A peste bubônica era um problema sanitário especialmente preocupante em navios e portos. Para combater a doença, soro e vacina estavam disponíveis, além da profilaxia baseada no controle de roedores.
O combate à varíola, doença que teve importante crescimento em 1904, também era pautado na imunização. No mesmo ano, a instituição da vacinação obrigatória – depois revogada – motivou a chamada Revolta da Vacina.
Oswaldo Cruz dividiu a cidade do Rio de Janeiro em distritos sanitários, que seriam acompanhados por profissionais da Diretoria de Saúde. Foi criado o Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela e teve início a produção de folhetos educativos e a publicação dos “Conselhos ao Povo” nos jornais.
O prefeito Pereira Passos, que projetava a remodelação urbana da então capital federal, baixou leis que previam a remoção de famílias pobres, política que ficou popularmente conhecida como “bota abaixo”. A lei de saneamento era conhecida como “Código das Torturas”.
Algumas medidas autorizavam, por exemplo, a entrada forçada de agentes conhecidos como mata-mosquitos em casas para esvaziar depósitos de água que serviam de criadouro para mosquitos transmissores da febre amarela.
Outras ações incluíam a intimação para impermeabilização de solos de residências para evitar a propagação de ratos e pulgas, como parte das ações contra a peste bubônica. Alimentos eram fiscalizados e foi instituída a notificação compulsória de casos das doenças.
“Ele foi uma pessoa que teve muita influência política, que usou em prol da saúde pública, mas desprezando questões relativas à desigualdade social”, avalia o sanitarista Gonzalo Vecina, professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A figura de Oswaldo Cruz sintetizava um acúmulo de insatisfações sobre o conjunto de mudanças que aconteciam na época, sendo alvo de reações populares, na imprensa e no Congresso. No entanto, o resultado das medidas foi o controle da peste bubônica, varíola e febre amarela no Rio de Janeiro.
Os êxitos foram apresentados em um importante congresso em Berlim, na Alemanha, em 1907, um ponto de virada que mudou a percepção pública do cientista.
Desafios do Brasil atual
Se no início do século 20 o país enfrentava três doenças de grande impacto em saúde pública, o Brasil de 2022 não parece ser tão diferente. Covid-19, varíola dos macacos (Monkeypox) e a dengue são apenas algumas das doenças que afetam os brasileiros e aumentam a pressão sobre os sistemas de saúde.
“Os problemas de saúde pública vão acompanhar as características da sociedade de cada momento, como modo com o qual lidamos com o meio ambiente, com as questões do clima, com o aquecimento global, por exemplo. Eles acontecem em função do que o ser humano está fazendo com o planeta”, afirma Tania Araújo-Jorge, diretora do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
O sanitarista Gonzalo Vecina avalia que o negacionismo e falhas na comunicação por gestores e autoridades em saúde têm impactado negativamente no combate às doenças.
“Por um lado, temos desenvolvido armas muito importantes, como as vacinas, mas há um movimento negacionista e antivacina que deixaria Oswaldo Cruz bastante preocupado”, diz Vecina.
Para o sanitarista, o ponto-chave para que as fake news ganhem tamanho espaço nas redes sociais está na construção bem elaborada das notícias falsas, utilizando elementos que mesclam informações verdadeiras e mentirosas.
“Em relação à vacinação, o que eu acho que nós temos hoje é falta de capacidade de convocação. A cobertura vacinal caiu, mas não pelo negacionismo e sim pela falta de capacidade de chamar as pessoas para a vacinação”, afirma Vecina.
Agravos como dengue, leishmanioses, hanseníase, raiva, parasitoses e doença de Chagas são consideradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como doenças negligenciadas.
Segundo a definição da OMS, doenças desse tipo são consideradas endêmicas em populações de baixa renda e contribuem para a manutenção de situações de desigualdade no mundo. Além disso, o baixo investimento em pesquisas científicas por grandes empresas e farmacêuticas amplia as lacunas no diagnóstico e no tratamento.
“A desigualdade social é o caminho que faz com que essas doenças todas tenham muito sucesso. Como se combate a malária, por exemplo? Com casas boas. Só vamos conseguir enfrentar as doenças negligenciadas de maneira adequada, em primeiro lugar com civilização, em segundo, com remédios melhores”, diz Vecina.
Desde a década de 1980, a dengue, causada pelo mosquito Aedes aegypti, provoca surtos e mortes no país. No primeiro semestre de 2022, o Brasil registrou mais que o dobro de mortes pela doença do que em todo o ano passado, segundo dados do Ministério da Saúde.
Pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) afirmam que o combate ao vetor e a prevenção da dengue devem ser voltados para as determinações sociais, englobando características particulares do ambiente e comunidade onde estão inseridos os indivíduos.
O combate à doença “depende fundamentalmente de parcerias entre a população, as ações governamentais e a sociedade em geral, estabelecendo redes de mobilização social capazes de promover ações permanentes, intersetoriais, superando as dificuldades e limitações do modelo educativo pontual, verticalizado, com ações isoladas e episódicas, centradas em períodos de surtos e epidemias”, dizem os especialistas João Carlos de Oliveira e Gizele Martins Rodovalho, em comunicado.
Gargalos na formação científica
O instituto que deu origem à Fundação Oswaldo Cruz teve como premissa a produção de soros e vacinas. No entanto, desde o início das atividades, a vocação da instituição foi marcada também pela pesquisa e pelo ensino.
“O modelo institucional que o Oswaldo Cruz tinha em mente era o do Instituto Pasteur, que era uma instituição que, ao mesmo tempo em que tinha essa produção de soros e de vacinas, fazia pesquisas. Essa produção deles era fruto das pesquisas que faziam também”, conta a historiadora Ana Luce Girão, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).
Hoje, todas as unidades da Fiocruz desenvolvem programas de pós-graduação stricto sensu com cursos de doutorado, mestrado acadêmico ou profissional. Ao todo, são 32 programas inseridos em dez áreas de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
“Oswaldo Cruz foi a semente do pensamento de que você precisa de ciência e de pesquisa para enfrentar os problemas de saúde pública, para poder olhar a essas questões e construir soluções e políticas públicas. Ele inspira e vai inspirar todas as gerações seguintes”, diz Tânia.
Em julho, institutos federais de ensino buscaram apoio de parlamentares para evitar um corte de R$ 200 milhões no próximo ano. O Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif) estimou um corte de 12% no orçamento de 2023 pelo Ministério da Educação.
Já as universidades federais foram notificadas sobre um corte de 12% no orçamento. Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), a expectativa é que as verbas destinadas para o custeio caiam para R$ 4,7 bilhões no próximo ano.
A dificuldade para ingressar e permanecer em cursos de pós-graduação no país leva a um fenômeno conhecido entre a comunidade acadêmica de “fuga de cérebros”, que é a busca por oportunidades de trabalho e pesquisa fora do Brasil.
“Se essa geração que tem hoje entre 20 e 40 anos não é acolhida dentro do próprio país, que dirá a geração dos 6 aos 10 anos. Temos problemas que vão da formação dos professores de ciências até o estímulo à permanência no país. Mas como estimular se faltam concursos, se as bolsas de pós-graduação são totalmente defasadas? É um problema estrutural muito grande”, diz Tania, que também é pesquisadora do Laboratório de Inovações em Terapias, Ensino e Bioprodutos do IOC.
Durante a juventude, Oswaldo Cruz foi ajudante no laboratório de Benjamin Antônio da Rocha Faria. Quando o laboratório foi convertido em Instituto Nacional de Higiene, atuou como auxiliar do professor Rocha Faria, entre 1890 e 1893.
Formou-se em medicina em 1982 e começou um pequeno laboratório de análises clínicas no pavimento térreo de sua residência, como presente de casamento do sogro.
No final de 1899, a peste bubônica era uma doença emergente no país. Assim como os pesquisadores Adolpho Lutz e Vital Brazil, Oswaldo Cruz foi chamado a estudar a situação no porto de Santos, litoral de São Paulo, onde os casos despertavam atenção.
Os caminhos de Oswaldo Cruz e de Manguinhos, que abriga hoje a sede da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, se cruzaram em 1899.
A peste bubônica, que afetou inicialmente o porto de Santos, havia chegado também ao Rio de Janeiro. Por ordem do prefeito Cesario Alvim, o Instituto Vacínico Municipal passou a produzir o soro e a vacina para a doença.
As atividades estavam sob liderança do barão de Pedro Affonso, um cirurgião reconhecido na cidade que havia sido diretor do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro.
Pouco depois, a prefeitura, alegando não poder arcar com os custos, transferiu a tarefa da produção para a esfera federal. A atividade seria realizada no novo Instituto Soroterápico Federal, oficialmente criado em maio de 1900 de forma subordinada à Diretoria-Geral de Saúde Pública, no âmbito do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
Em 1900, Oswaldo Cruz assumiu a direção técnica do instituto recém-criado e passa a chefiar o serviço do laboratório de anatomia, patologia, química, biologia e bacteriologia da Policlínica Geral do Rio de Janeiro.
Em 1902, o barão de Pedro Affonso solicitou exoneração e Oswaldo Cruz assumiu a direção geral do Instituto Soroterápico Federal. No ano seguinte, foi nomeado diretor-geral de Saúde Pública. As ações de combate à peste bubônica, varíola e febre amarela renderam a Oswaldo Cruz o reconhecimento internacional.
O Instituto Soroterápico Federal, que teve o nome modificado em 1907 para Instituto de Patologia Experimental, passa a se chamar Instituto Oswaldo Cruz.