SAÚDE

Estados têm grandes diferenças nas coberturas vacinais para várias doenças, mostra levantamento

A pandemia de Covid-19 mostrou a importância de se ter uma vacina para controlar casos e evitar mortes provocadas por uma doença transmissível. No entanto, o que se vê no mundo todo são baixas coberturas vacinais para várias enfermidades imunopreveníveis, como alertaram no mês passado a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Como resultado, observamos a volta de doenças até então controladas, como o diagnóstico de poliomielite nos Estados Unidos e os casos recentes de difteria na Suíça. Esses episódios acendem um alarme no Brasil, cuja cobertura vacinal geral em 2021 não chegou a 60% (excluindo os imunizantes para Covid-19 e gripe), segundo dados do DataSUS. A aplicação de vacinas também é desigual dentro do próprio território brasileiro.

Enquanto Santa Catarina — que aparece em primeiro lugar no ranking nacional — teve uma cobertura vacinal geral de 71,7% no ano passado, o Amapá amarga a última colocação, com apenas 44,16%, ou seja, menos da metade do público-alvo. São 27 pontos percentuais de diferença. A média brasileira foi de 59,85% das pessoas vacinadas.

Dentre os cinco primeiros estados com maior cobertura vacinal em 2021, dois são da região Sudeste (Espírito Santo e Minas Gerais) e dois da Sul (Santa Catarina e Paraná) e um da Norte (Tocantins). Em contrapartida, na outra extremidade, dentre os cinco últimos colocados, quatro são da região Norte (Acre, Pará, Roraima e Amapá), além do Rio de Janeiro, do Sudeste, que ficou na penúltima colocação.

O Programa Nacional de Imunizações (PNI) oferece gratuitamente via Sistema Único de Saúde (SUS) 18 vacinas para diferentes doenças. E a população beneficiada é ampla, vai desde bebês até idosos, de acordo com a indicação do público mais vulnerável a determinada doença.

Em nota, a Secretaria estadual de Saúde de Santa Catarina informou que orienta os municípios que “ampliem os horários de atendimento nos postos de saúde, promovam sábados de vacinação, aproveitem as oportunidades quando o paciente vai até o posto de saúde procurar atendimento para verificar a situação vacinal”. Além disso, informa que há uma lei estadual que exige a apresentação da carteira de vacinação de crianças e adolescentes no ato de matrículas e rematrículas nas unidades de educação públicas e privadas.

O GLOBO entrou em contato com os estados do Rio de Janeiro e Amapá, e com o Ministério da Saúde, mas não obteve retorno dos questionamentos sobre os baixos índices de vacinação até o fechamento desta reportagem.

Multifatores

Na avaliação de especialistas, são muitos os fatores que levaram às baixas coberturas vacinais no Brasil, que estão em queda desde 2016.

Na avaliação de Juarez Cunha, médico pediatra e presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, as desigualdades econômicas podem ser apontadas como principais causas para as diferenças nas taxas de vacinação entre os estados.

— Temos que considerar que em muitos momentos o Rio, por exemplo, teve uma crise financeira que impactou a gestão da saúde pública. Esse aspecto reflete nas campanhas de vacinação. Em relação aos estados do Norte, além da questão da pouca infraestrutura, também temos o fator da vulnerabilidade de determinadas populações que moram em localidades de difícil acesso para vacinação — afirma o especialista.

O médico destaca também a mudança que ocorreu no sistema de registro de vacinas, que passou a ser nominal, constando CPF de quem recebeu, além de data da aplicação e o lote do imunobiológico — antes as doses aplicadas eram contadas e cadastradas no sistema. Cunha acredita que muitos estados aplicam os imunizantes e não conseguem cadastrar todas as doses inoculadas por falta de profissionais ou por conta de dificuldade no acesso à internet.

Na avaliação da epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do PNI, houve também uma mudança no perfil dos pais das crianças que não estão sendo vacinadas agora. Apesar de terem sido vacinados na infância, os novos pais não têm a percepção de risco das doenças e acaba não priorizando a imunização.

— Os pais dessa nova geração de pais conheciam as doenças e sabiam o que era um caso grave de difteria, coqueluche. Então, toda vez que havia uma campanha de vacinação, levavam seus filhos porque não queriam que eles adoecessem, ficassem com sequelas e até morressem. Mas a nova geração não sabe o que são casos graves de sarampo, de pólio, e começa a achar que não é importante vacinar o filho. Por outro lado, vemos fake news o tempo todo nas redes sociais dizendo que vacinas fazem mal para a saúde, deixando os pais inseguros — argumenta a médica.

Ela também aponta dificuldades enfrentadas por pais que querem vacinar, mas não conseguem: como os horários reduzidos dos postos de vacinação, que fazem com que os pais precisem faltar um dia de trabalho para levar a criança para se imunizar — que em um cenário de crise financeira e alto desemprego deixa os responsáveis em uma situação de difícil escolha:

— A doença não está acontecendo mais, então a vacina acaba ficando em segundo plano, porque acaba sendo mais importante levar a comida para casa do que levar a criança para vacinar, já que não há um risco iminente.

Além disso, ainda há as dificuldades encontradas nos postos de saúde, como desabastecimento de vacinas e filas, que muitas vezes fazem as famílias perderem a oportunidade de colocar em dia o calendário vacinal, alerta a epidemiologista.

Na visão de Domingues, para que o Brasil volte a ter índices satisfatórios de vacinação é preciso que sejam analisados os problemas apresentados por cada estado, para que se desenvolva soluções individualizadas. Mas, para isso, a especialista reforça que o PNI precisa voltar a ser uma prioridade de Estado, uma ação prioritária do SUS.

Cunha aponta que, para reverter o quadro de baixa vacinação, é preciso reforçar a comunicação oficial sobre a importância de estar com o calendário vacinal em dia. A SBIm está com a campanha #VacinarParaNãoVoltar (VPNV), cujo objetivo é criar uma rede de colaboração na qual cada setor da sociedade desempenha papel decisivo no enfrentamento das baixas taxas de cobertura vacinal. O projeto começou pelo Amapá e Paraíba, e se estenderá a todo o Brasil.

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