CBF e parceiros tentam ‘despolitizar’ camisa da seleção a 100 dias da Copa; especialistas em marketing veem prazo curto
Se para alguns chega a soar óbvio chamar a amarelinha de símbolo nacional, outros não conseguem vê-la assim atualmente. Utilizada com frequência por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro — e pelo próprio — em eventos com mensagens antidemocráticas, a vestimenta ganhou conotação política. A menos de 100 dias do início da Copa, a CBF e seus parceiros deram início a um movimento de ressignificação para tentar fazê-la voltar a ser vista como de todos. Resta saber se haverá tempo hábil.
Uma das iniciativas foi o próprio lançamento dos novos modelos. Ao se referir à camisa da seleção, o texto de apresentação diz que ela “representa mais de 210 milhões de brasileiros”. O vídeo de divulgação conta não só com jogadores que vêm sendo convocados por Tite utilizando as peças como outros atletas e personalidades. Entre elas, o rapper Djonga, que se posiciona publicamente como de esquerda, já declarou voto em Lula e, como fã de futebol, já vinha defendendo a pauta do resgate da amarelinha.
— Com essa camisa aqui é mais gostoso ouvir vocês gritando (“Fora, Bolsonaro”). Porque os caras acham que tudo é deles — declarou o rapper durante uma apresentação em abril.
O lançamento da camisa também contou com nomes que não se posicionam publicamente e com quem já se manifestou contrário aos petistas em eleições passadas. É o caso do ex-jogador Ronaldo Fenômeno e do corredor e ex-BBB Paulo André. Ou seja: houve um cuidado na escolha dos personagens para que a peça não ficasse associada a um único espectro.
— Do ponto de vista mercadológico, a associação não interessa à fabricante. Por razões óbvias. Fazer isso significa limitar o número de compras possíveis. Se alguém tem uma ideologia contrária (a de quem se apropriou) não vai querer comprá-la — diz Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da ESPM.
Já a Ambev, uma das principais patrocinadoras da CBF, foi ainda menos sútil ao abordar o tema. Através da marca de cerveja Brahma, a ação funciona como uma espécie de manifesto pela despolitização. Em vídeo, o texto lido por Galvão Bueno diz que “independentemente das nossas diferenças fora de campo, chegou a hora de lembrar o significado original dessa camisa”.
— A Brahma sempre acreditou muito que existem mais coisas que nos unem do que nos separam — afirma Daniel Wakswaser, vice-presidente de marketing da Ambev. — Nossa missão sempre foi unir os brasileiros através das paixões nacionais: o carnaval, o churrasco, a música, o futebol. Agora, faltando quase 100 dias para a Copa, o sentimento que a gente ouviu é que, independentemente das diferenças fora de campo, as pessoas querem torcer pela seleção, gritar gol com a amarelinha, sentir o maravilhoso clima de uma Copa.
As iniciativas nascem com atraso. A apropriação da camisa da seleção por movimentos de direita e extrema-direita começou nas manifestações de junho de 2013 e foi se consolidando nos anos seguintes. A CBF passou a ter interesse nesta despolitização a partir da gestão atual, eleita este ano. Sob a presidência de Rogério Caboclo, afastado do comando em 2021, a entidade nunca procurou tratar desta questão.
A CBF tem feito manifestações sutis para tentar não se associar com correntes políticas. Há um ano no poder (somados o tempo como interino e efetivo), o atual presidente, Ednaldo Rodrigues, por exemplo, ainda não se encontrou com Bolsonaro — e não pretende fazê-lo.
A CBF deve fazer ações para tentar despolitizar o uso da camisa da seleção, mas só após a eleição. De acordo com um entendimento interno, fazer isso antes do pleito seria um erro porque poderia politizar ainda mais a questão, o que é justamente o oposto do desejado.
A promessa de Ednaldo ao assumir efetivamente foi de aproximar a seleção da população. A quebra da imagem política da camisa é apenas uma das frentes, que atende a objetivos comerciais. Em outra, há um compromisso de realizar mais amistosos no território brasileiro no próximo ciclo.
Período eleitoral
O surgimento tardio destes esforços faz com que especialistas em marketing vejam com ceticismo as chances de se despolitizar a camisa da seleção até a Copa do Catar. Para eles, trata-se de um trabalho de longo prazo. Além disso, ao contrário dos anos anteriores, desta vez o Mundial será após a eleição. Apenas três semanas após a data reservada para o segundo turno.
— O período de 100 dias é curto para que ocorra a desvinculação deste significado. Sendo assim, será preciso realizar um trabalho a médio e longo prazo. As eleições pré-Copa certamente não ajudarão a acelerar este processo de desvinculação. Se é que ele irá, de fato, ocorrer — opina Fábio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports & Marketing.
Um detalhe em particular desta eleição, contudo, pode torná-la uma aliada na tentativa de se ampliar o perfil de quem usa a amarelinha. O discurso de Djonga sobre “retomar” a camisa encontra eco nos movimentos de esquerda e de oposição a Bolsonaro, que pregam uma reaproximação ao verde e amarelo como forma de enfraquecer a retórica patriótica do candidato à reeleição em outubro.
— A partir do momento que todos passam a usar a mesma cor, os mais raivosos ou aqueles que levam mais a serio esse detalhe irão logo procurar uma outra que os represente. Afinal, quem era adversário deles agora está usando a mesma cor. Então você cria uma neutralização do verde e amarelo — conclui Ivan Martinho.