Quase dados como ‘extintos’, centroavantes voltam a dominar futebol brasileiro
A aposentadoria de Fred, em julho, poderia ter ficado marcada por simbolismo preocupante. Devido à falta de renovação, o centroavante passou os últimos anos visto como representante de uma posição em crise. Mas, para a sorte dos treinadores, a atual temporada tem sido palco do resgate dos “noves”. Os jogadores de área assumiram o protagonismo nas principais equipes do país. E, não por coincidência, dominam os duelos particulares que movimentam as semifinais da Copa do Brasil.
No Maracanã, Germán Cano e Yuri Alberto comandam os ataques de Fluminense e Corinthians, que jogam às 19h30. Pedro e Jonathan Calleri, os de Flamengo e São Paulo no Morumbi, às 21h30. Uma mescla de idades e nacionalidades que resume bem como os centroavantes voltaram a estar em alta no Brasil: com os clubes se valendo da força da economia local no continente para importar estrangeiros e graças à passagem de uma entressafra na base que fez os mais alarmistas temerem o fim da posição.
No Brasileirão, seis centroavantes lideram a disputa pela artilharia (Pedro Raul, do Goiás; Guilherme Bissoli, do Avaí; Stiven Mendoza, do Ceará; e Marcos Leonardo, do Santos, além do líder Cano e de Calleri). No ano passado dois dos quatro primeiros no quadro de goleadores não jogavam na função: Michael (então no Flamengo) e Ademir (então no América-MG). Já em 2020, Cano, apenas o quinto com mais gols, foi o “nove” que mais balançou as redes naquela edição, atrás de Thiago Galhardo (Inter), Marinho (Santos), Luciano (São Paulo) e Claudinho (Bragantino).
A relevância deles extrapola a briga pela artilharia. São responsáveis por uma fatia considerável da produção ofensiva de suas equipes. Se considerarmos os gols e as assistências, Pedro responde por 24% dos 104 marcados pelo Flamengo no ano. Mas ninguém se equivale a Cano, que com 31 bolas na rede e sete passes para gols colaborou até agora com 40,8% da artilharia do Fluminense na temporada (93).
Se nos times da parte de cima da tabela eles são importantes, nos que ocupam a metade de baixo sua relevância é maior. Enquanto os gols de Cano se converteram diretamente em 15 dos 41 pontos do Fluminense no Brasileiro (sem contar as classificações na Copa do Brasil), os de Pedro Raul renderam 16 dos 29 que o Goiás soma até o momento. Já para o Avaí as bolas na rede de Bissoli são ainda mais necessárias: garantiram 12 dos 23 pontos da equipe.
O resgate dos centroavantes se reflete na seleção. O técnico Tite sofreu nos últimos anos com a crise da posição. Na Rússia-2018, tentou usar Roberto Firmino e Gabriel Jesus, mais móveis e de presença menos impositiva na área, como referências. Já na preparação para o Catar, aos poucos desistiu dessa busca e se rendeu a ideia de usar Neymar como “falso 9”. Até que a recente boa fase de Pedro, que já marcou 12 gols e deu cinco assistências em pouco mais de dois meses (desde que Dorival Júnior assumiu o Flamengo), fez seus olhos voltarem a brilhar com a possibilidade de ter um homem-gol na equipe.
—O jogador de área, de bom cabeceio, inteligente para tabela, que não terá transições em velocidade, mas aí tu teria outros jogadores para isso — disse Tite em entrevista dada na semana passada para a Band de Porto Alegre. —É aquele jogador que mais se aproxima da característica do Fred.
A referência ao ídolo do Fluminense não é por acaso. Com 38 anos, Fred tem 13 de diferença para Pedro, que é um dos mais velhos desta promissora leva de homens de área. Uma das explicações para o vazio entre eles vem do processo de formação de jogadores no país. As safras intermediárias não produziram centroavantes de qualidade na quantidade necessária para atender às demandas. Na faixa entre 27 e 35 anos, aqueles que conseguiram se destacar de forma mais sólida são, em grande maioria, estrangeiros.
— Vejo muito como uma questão de safra. Estamos voltando aos poucos ao atacante de área. Hoje, você vê o Pedro, o Marcos Leonardo (19 anos), o Matheus Cunha (23), o Gabigol (25), o Yuri Alberto (21) e até mais novos que começam a aparecer, como o Mateusão (18), do Flamengo, o Vitor Roque (17), do Athletico, e o Endrick (16), do Palmeiras — afirma Erasmo Damiani, ex-coordenador de base da CBF e hoje gerente na formação do Atlético-MG. — Mas não é mais o atacante que só fica postado entre os dois zagueiros fazendo proteção para o meia se aproximar ou que finaliza. Hoje, na base, se trabalha para os nove terem mais mobilidade e que eles deem combate para tornar a saída de jogo do adversário mais difícil.
O dirigente lembra também que a carência não era exclusiva do Brasil, mas também presente no futebol europeu. O que trouxe mais um elemento dificultador: a saída rápida do país. Yuri Alberto, vendido no início do ano ao Zenit-RUS, é um exemplo. Embora não tenha acionado a cláusula de guerra da Fifa, ele retornou na esteira do confronto entre Rússia e Ucrânia.