CULTURA E EDUCAÇÃO

‘Marte um’ estreia de olho em vaga no Oscar com história de menino entre o futebol e a astronomia

Deivinho é um garoto de Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, que é tratado pelo pai como um futuro talento do futebol, sendo a aposta da família para dias melhores. O jovem, no entanto, sonha em ser astrônomo e participar de uma missão colonizadora em Marte, em 2030. Gabriel Martins é um jovem de 34 anos crescido em Contagem e que desde os 7 anos sonhava em fazer cinema, mesmo fazendo parte de uma realidade humilde que muitas vezes não ocupa (ou melhor, não ocupava) os sets de filmagens do cinema nacional.

Vivido por Cícero Lucas, Deivinho é o personagem principal do filme “Marte um”, que estreia quinta-feira, enquanto que Gabriel é o responsável pela direção e roteiro da obra, exibida no Festival de Sundance no início do ano e recém-premiada no Festival de Gramado, de onde saiu com os Kikitos de melhor filme pelo júri popular, roteiro e trilha sonora, além de um prêmio especial do júri. Entre o personagem e o diretor, algo em comum: a teimosia de sonhar com algo quase alienígena a suas realidades.

O júri oficial de Gramado justificou o prêmio especial pelo afeto transmitido pelo longa. Em coluna publicada neste jornal no último domingo, Cacá Diegues também falou em afeto para celebrar o cinema do diretor: “‘Marte Um’ possui dentro dele todas as referências juvenis de hoje, sendo ao mesmo tempo um filme exemplar e que irradia afeto”. Gabriel vê o afeto como uma espécie de cura ao cinismo.

— Vivemos um momento de muito cinismo, de muita individualidade, em que acordamos sentindo ódio. Abrimos as páginas do jornal e vemos a Amazônia pegando fogo, a guerra na Ucrânia, perda de direitos. Ficamos num sentimento de tristeza e revolta que muitas vezes nos faz desacreditar do ser humano — lamenta o diretor. — “Marte um” vem para reivindicar um sentimento de amor pela vida, pelo sonho. Temos que tentar nos agarrar em algo para levantar da cama. Reivindicar este sentimento de poder sonhar é muito importante para os dias de hoje.

Ação afirmativa

 

“Marte um” é o primeiro longa solo dirigido por Gabriel, que codirigiu com Maurilio Martins o elogiado “No coração do mundo” (2019), exibido no Festival de Rotterdam. O novo filme é fruto do primeiro e último edital afirmativo, voltado para realizadores negros. À época, outros dois projetos foram contemplados: “Um dia com Jerusa” (2020), de Viviane Ferreira, e “Cabeça de nêgo”, de Déo Cardoso.

— Editais como este nos ajuda a criar um panorama de maior representatividade e contempla uma demanda de reparação. Hoje, conseguimos olhar para trás e entender que mesmo com o cinema brasileiro tendo uma história muito bonita, essa história também é muito elitista, machista e racista — aponta Gabriel, que acredita que ações afirmativas e políticas de cotas em festivais já modificaram a cara do cinema nacional.

Ele comemora, por exemplo, a última edição do Festival de Gramado. Além de “Marte um”, o evento consagrou outro longa de realizador negro: “Noites alienígenas”, de Sérgio de Carvalho, uma produção do Acre.

Com mais de uma década de carreira, Gabriel Martins ainda se considera um iniciante ou ao menos uma pessoa em constante aprendizado, e lamenta a ruptura em políticas culturais representada pelos governos Temer e Bolsonaro. No momento, comemora a oportunidade de lançar seu longa nos cinemas, mas sabe da dificuldade em se manter em cartaz, principalmente quando se fala de uma produtora independente, sem dinheiro para investir em divulgação.

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