‘Abin faz o seu trabalho’, diz Bolsonaro após PF apontar interferência da agência em investigação sobre seu filho
Após a Polícia Federal (PF) afirmar em um relatório que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) atrapalhou uma investigação contra um dos seus filhos, o presidente Jair Bolsonaro afirmou nesta terça-feira não ter “influência” sobre a agência e que ela “faz o seu trabalho”.
Como o GLOBO mostrou, um integrante da Abin admitiu em depoimento que recebeu a missão de levantar informações de um episódio relacionado a Jair Renan, um dos filhos de Bolsonaro, que é investigado em um inquérito da PF. Questionado sobre o relatório da PF, Bolsonaro inicialmente questionou qual acusação contra seu filho, e depois disse que o caso deve ser investigado:
— Investigue. Não compare meus filhos com os filhos do Lula. Vocês passaram anos sem falar do filho do Lula. Qualquer filho tem que ser investigado. Agora, pare de massacrar — disse o presidente, na saída de um evento do setor de comércio e serviços.
Depois, afirmou não ter influência sobre o órgão de inteligência e afirmou que não saberia comentar:
— Não sei. Não tenho influência sobre a Abin, ela faz o seu trabalho
A operação da Abin ocorreu em 16 de março do ano passado, quatro dias após o filho do presidente e o seu preparador físico, Allan Lucena, se tornarem alvos da investigação da PF. A dupla é suspeita de abrir as portas do governo para um empresário interessado em receber recursos públicos.
Àquela época, Lucena percebeu que estava sendo seguido por um veículo que entrou na garagem de seu prédio. Incomodado, o personal trainer acionou a Polícia Militar. O suspeito, quando abordado, identificou-se como Luiz Felipe Barros Felix, agente da PF cedido para o órgão de inteligência. O episódio de espionagem foi registrado em um boletim de ocorrência.
Ao ser chamado pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos, Felix contou que trabalhava na Abin vinculado diretamente a Alexandre Ramagem, então comandante da agência e homem de confiança do presidente — os dois estiveram juntos durante a campanha presidencial que elegeu o Bolsonaro. O agente confirmou que recebeu a missão de um auxiliar do chefe do órgão de inteligência. O intuito era levantar informações sobre o paradeiro de um carro elétrico avaliado em R$ 90 mil, que teria sido doado a Jair Renan e ao seu personal trainer por um empresário do Espírito Santo interessado em ter acesso ao governo. “O objetivo era saber quem estava utilizando o veículo”, afirmou Felix, em depoimento. “O objeto de conhecimento era para saber se os informes que pudessem trazer risco à imagem ou à integridade física do presidente eram verdadeiros ou não”, complementou ele, sem dar mais detalhes da operação.
Em entrevista ao GLOBO no mês passado, o atual chefe da Abin, Victor Felismino Carneiro, afirmou ser um dos papeis da agência atender a demandas do presidente da República, desde que dentro do seu escopo de atuação. Segundo ele, o canal de contato entre Bolsonaro e o órgão é o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno:
— Ele pode ligar, mas o canal específico dele é o ministro Heleno. Então, nosso contato diretamente com o presidente da República passa primeiramente pelo ministro — afirmou Carneiro na ocasião.
Procurada, a Abin afirmou, em nota, que não há documentos oficiais sobre a operação envolvendo Lucena. “Não há registro da referida ação nos sistemas da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). O agente de Polícia Federal Luiz Felipe Barros Felix não faz parte dos quadros da ABIN desde 29 de março de 2021”, diz o comunicado. O desligamento de Felix do órgão de inteligência ocorreu 13 dias após ele ter sido flagrado em missão.
O agente Luiz Felipe Barros Felix não quis comentar. O personal trainer Allan Lucena não retornou os contatos. O advogado Frederick Wassef, que defende Jair Renan e o presidente, afirmou que a atuação da Abin não teve relação com a Presidência da República nem atrapalhou a investigação e que se trata de um “fato isolado” de um “indivíduo que se encontrava ali por conta própria”.
Improbidade administrativa
O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) protocolou uma representação no Ministério Público Federal solicitando a abertura de investigação por improbidade administrativa e infrações penais contra Ramagem e Jair Renan, por causa do suposto uso indevido da Abin. “É inaceitável, no estado democrático de direito, a instrumentalização da estrutura estatal para proteção da prole do presidente da República”, afirmou na representação.
Valente ainda apresentou um requerimento à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados para convocar o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, órgão ao qual a Abin está subordinada, para prestar esclarecimentos sobre o caso.
Em nota sobre a reportagem do GLOBO, a União dos Profissionais de Inteligência de Estado da Abin (Intelis) afirmou que “a ação descrita não faz parte do rol de atribuições” da agência e que “os envolvidos citados não são profissionais de inteligência de carreira, mas, sim, servidores indicados ou cedidos de outro órgão, à época lotados na agência”.