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Institutos ajudam jovens talentos da periferia a romper as barreiras do mercado e desenvolver suas carreiras

Elas têm trajetórias distintas e algo mais em comum, além do título de mecenas: no papel de apoiadoras das artes e dos artistas, a fluminense Margareth Telles e a argentina Frances Reynolds dedicam-se a talentos da periferia, nomes que despontam bem longe do requintado mercado das artes, mas chegam lá — a coleções, feiras, galerias e museus. Cria da Baixada Fluminense, Margareth Telles nasceu em Nova Iguaçu e, na adolescência, se mudou para Duque de Caxias. Até os 30 anos, nunca tinha entrado em um museu, que considerava programa de rico.

No ofício de instrumentadora, trabalhou com o cirurgião plástico Ivo Pitanguy, notório admirador e colecionador de arte, e foi contaminada por essa dupla paixão. Hoje, à frente do MT Projetos de Arte, inaugurado na pandemia, Margareth investe no desenvolvimento de novos artistas. Pode-se dizer que essa também é a atividade principal do Instituto Inclusartiz, fundado em 1997 por Frances Reynolds.

As duas, e suas respectivas instituições, vêm atuando no desenvolvimento das carreiras de artistas plásticos como Johny Alexandre Gomes, o Jota, do Complexo do Chapadão, em Costa Barros; Mulambö, de São Gonçalo; Rafael Barros, de Nova Iguaçu; e Maxwell Alexandre, da Rocinha. O “investimento”, no caso, pode ir do fornecimento de material à residência artística, no Brasil ou no exterior, passando por intercâmbio com colegas ilustres, apresentação ao mercado e portas abertas no circuito.

— Minha intenção é potencializar artistas que de outra forma não teriam como chegar ao mercado. A caminhada da produção até as galerias é longa. A ideia é fazer essa ponte e ajudá-los a chegar também aos colecionadores — explica Margareth, que não gosta de ser chamada de descobridora, mas de potenciadora de talentos.

O MT Projetos de Arte ocupa um endereço na Lapa, no centro do Rio, enquanto o Instituto Inclusartiz mudou-se no ano passado para um casarão centenário na Gamboa, na Região Portuária. A primeira a ocupar a “casa” de Margareth foi a artista travesti paraense Rafa, que, após um ano, debutou em individual no último dia 10. Rafatambém exibe uma de suas obras no espaço da Casa Nem, na Art Rio, feira de arte que termina hoje, na Marina da Glória. Outro nome no evento é Jota, cria do Chapadão, também apadrinhado pela “potenciadora de talentos”.

— Margareth deu atenção e meios para que ele pudesse exercer sua atividade. São artistas que muitas vezes são privados disso. É como tirar o muro de um mundo que as desigualdades separam. Os mecenas têm papel importante nesse processo — diz Ademar Britto, curador do projeto Solo, da Art Rio, que reúne trabalhos de nove artistas, Jota entre eles.

Portas abertas

Há 25 anos nesse mercado, o Instituto Inclusartiz ajudou a revelar mais de 50 artistas. Na lista, Maxwell Alexandre, de 31 anos, é reconhecido por críticos, colecionadores e colegas no circuito internacional. Portas se abriram com o apoio da ONG criada por Frances Reynolds, que o levou a um período de residência artística no exterior. Maxwell agora vai expor em Nova York, em outubro. Marcela Cantuária também fez residência em Madri, proporcionada pelo instituto, e ganhou evidência recentemente pela concepção visual de “Portas”, novo lançamento da cantora Marisa Monte.

— Se eu aposto num artista, visto a camisa — diz Frances, que acreditou no trabalho de Maxwell, da Rocinha, assim que o conheceu, há três anos, e o levou à Delfina Foundation, em Londres, onde ele conheceu importantes curadores. Sobre o apoio a novos valores, ela explica:

— Nas residências no Rio, a gente convida sempre um curador com um artista. Para evitar que ele caia numa zona de conforto, buscamos sempre a provocação e o pensamento crítico. Fazemos acompanhamento individualizado para detectar as necessidades de cada residente e agregar conhecimentos.

A arte agradece.

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