Depois da fuga de 200 mil, Rússia para de emitir passaportes para convocados a lutar na Ucrânia
A Rússia não emitirá mais passaportes para pessoas convocadas para o Exército, informou o portal de informações do governo nesta quarta-feira, no momento em que pelo menos 200 mil russos já deixaram o país fugindo da “mobilização parcial” de reservistas anunciada pelo presidente Vladimir Putin na semana passada.
“Se um cidadão já foi convocado para cumprir o serviço militar ou se recebeu intimação [para se alistar], o seu pedido de um passaporte internacional será rejeitado”, diz o portal de informação. Nesse caso, “será entregue uma nota ao cidadão para explicar o motivo da rejeição e o prazo de validade da medida”.
Cidadãos russos precisam de um passaporte internacional para viajar para a maioria dos países, com exceção de Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão e Quirguistão, ex-repúblicas soviéticas para onde podem ir com o passaporte interno, equivalente a um documento de identidade. Esses países, ao lado da Rússia, fazem parte da União Econômica Eurasiática.
Embora a Rússia não tenha divulgado dados oficiais da saída de pessoas, estatísticas da Geórgia, do Cazaquistão e da União Europeia (UE), obtidas pela agência Bloomberg, mostram que pelo menos 200 mil deixaram o país nos últimos dias, um número que provavelmente é subestimado, já que outros destinos populares entre os russos, incluindo Armênia, Azerbaijão e Turquia, não divulgaram os números de chegada.
Dados da polícia e de autoridades de fronteira mostraram que 98 mil russos entraram no Cazaquistão e 53 mil cruzaram para a Geórgia desde 21 de setembro, quando Putin anunciou a convocação, enquanto cerca de 100 mil russos deixaram os dois países para outros destinos.
A União Europeia informou na terça-feira que 66 mil russos entraram no bloco na semana passada, um aumento de 30% em relação à semana anterior, com a maioria cruzando as fronteiras terrestres para a Finlândia e a Estônia. No entanto, cerca de 41 mil cidadãos russos deixaram a UE para a Rússia no mesmo período, disse a agência de fronteira do bloco em comunicado.
Sites de viagens ofereciam passagens na classe econômica por cerca de US$ 3 mil para voos nesta quinta-feira de Moscou para as capitais da Armênia, Ierevan, e da Geórgia, Tbilisi. Antes da mobilização, as passagens para Ierevan custavam em média cerca de US$ 240.
O governo de Putin resistiu ao máximo a mobilizar reservistas, para não levar a guerra — chamada na Rússia de “operação militar especial” — para dentro de casa. A medida só foi tomada pelo presidente quando o conflito estava prestes a completar sete meses, no último dia 24 de setembro, sob pressão dos militares, diante de uma contraofensiva ucraniana, apoiada por armamentos fornecidos a Kiev pelas potências ocidentais. Até então, as Forças Armadas russas contavam com os militares profissionais, com uma campanha agressiva de alistamento voluntário e com mercenários como os do Grupo Wagner, próximo ao Kremlin.
Depois de anunciar a mobilização parcial de 300 mil reservistas, o governo estabeleceu uma série de restrições a quem poderia ser chamado, excluindo da convocação, por exemplo, homens com mais de quatro filhos menores de idade, pessoas acima de certa idade, além de determinados profissionais, como professores e profissionais de tecnologia da informação.
No começo da semana, no entanto, o governo russo admitiu “erros” na convocação de reservistas, após uma série de denúncias vindas de todas as partes do país e de críticas até mesmo de aliados.
Vários estudantes disseram à AFP que foram convocados, apesar de as autoridades terem prometido que seriam excluídos na campanha de mobilização. No sábado, Putin assinou um decreto confirmando que os estudantes de centros de formação profissional e de ensino superior ficarão isentos.
Outra situação que criou polêmica é o caso de manifestantes contra a ofensiva na Ucrânia que receberam ordens de mobilização durante sua custódia. O Kremlin disse que, nesses casos, “não havia nada ilegal”.
Em meio às convocações, que em algumas áreas ocorrem no meio da noite, as redes sociais foram inundadas de denúncias de violações das próprias regras do Kremlin. Sob pressão, alguns aliados, como a chefe da rede RT, Margarita Simonyan, estão expondo certos casos — Simonyan, uma das principais propagandistas do Kremlin, defende ferrenhamente a chamada “operação militar especial” na Ucrânia.
A presidente da Câmara Alta do Parlamento, Valentina Matviyenko, também pediu no domingo atenção dos governadores, que supervisionam as campanhas de mobilização. Um dia antes, a Rússia anunciou a substituição de seu general de mais alta patente a cargo da logística da guerra, em plena campanha de mobilização.