Bolsonaro é ameaça ao Brasil, diz cofundador da Natura ao abrir voto em Lula
O empresário Pedro Passos, cofundador da Natura, foi um dos primeiros, ainda no início de 2021, a defender a construção de uma terceira via nas eleições presidenciais. Depois, escolheu Simone Tebet (MDB) e fez contribuições para a sua candidata.
Com a polarização se mostrando intransponível nas urnas no primeiro turno, ele também toma a frente em outro movimento que foi destaque na cena econômica nesta primeira semana do segundo turno: declarou voto em em Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Abro o voto para Lula porque estamos diante de uma ameaça institucional com o governo Bolsonaro”, afirmou. “E o Brasil não pode viver sob ameaça.”
Segundo Passos, o atual presidente da República também descumpriu promessas na economia. ” É um governo que prometeu ser liberal, mas de liberal não tem nada”, disse. “É intervencionista.”
O empresário destaca que o risco institucional da atual gestão contaminou até a economia, com estouros do teto de gastos e o uso indiscriminado do instrumento da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para viabilizar medidas que não são saudáveis à economia.
“Não tenho nenhuma expectativa de que ele possa fazer algo muito diferente daqui para frente”, afirmou.
PERGUNTA – Em 2018, o sr. escreveu um artigo na Folha de S.Paulo intitulado “Qual é o meu voto”, defendendo uma agenda de mudanças, mas não citou nomes. Agora, por que o sr. sente essa necessidade de abrir o voto?
PEDRO PASSOS – Abro o voto para Lula porque estamos diante de uma ameaça institucional com o governo Bolsonaro e também porque tenho acompanhado a eleição. Eu apoiei a construção de uma agenda com o programa da Simone.
Efetivamente, no primeiro turno, tivemos a surpresa de uma maior votação no Bolsonaro do que o previsto nas pesquisas, e vimos a eleição de um Congresso muito radical de direita, na linha do Bolsonaro. Eu tenho muito medo que isso se reflita num governo forte e com tendências reacionárias. Tenho muito medo do que pode acontecer institucionalmente
Basta ver o que ocorreu em períodos recentes. Vários aspectos, que a gente supunha serem inconstitucionais foram implementados. Tivemos a PEC Kamikaze, a PEC dos precatórios, os benefícios em ano eleitoral. E o Supremo [Tribunal Federal] ainda é desrespeitado. A gente está diante de muitos desafios.
Eu achei importante abrir até para manifestar a orientação que discutimos dentro do grupo que apoiou a Simone, que decidiu apoiar Lula.
P. – Cinco economistas ligados à criação do Real e à estabilidade da moeda, bem como empresários como sr. já declararam apoio a Lula. O sr. espera algum aceno de Lula na área econômica a partir desse apoio público?
PP – Eu espero que sim. Infelizmente, o programa que o PT tem sinalizado é muito ultrapassado. Seja pelo intervencionismo, seja pela influência que prevê nas estatais, pela manutenção de uma economia fechada, ou pela revisão de algumas reformas importantes, como a trabalhista.
Não é a agenda que imaginamos para o Brasil.
p. – E qual seria?
PP – Em primeiro lugar, precisamos de estabilidade fiscal. A melhor forma para atingir objetivos sociais é mantendo as contas públicas em ordem, porque assim baixa a taxa de juros e atrai investimentos. Mas também precisamos de uma agenda de modernização. Não podemos ter o Brasil sempre atrasado, isolado do mundo, com baixa inserção internacional e baixa produtividade.
Na agenda de produtividade há vários componentes e ela anda meio esquecida. É importante que o governo Lula vá na direção das reformas necessárias para elevar a produtividade.
P. – Qual é sua avaliação do governo Bolsonaro na economia?
PP – É um governo que prometeu ser liberal, mas de liberal não tem nada. É intervencionista. Interveio na Petrobras várias vezes. Não respeitou o teto de gastos. Não evoluiu com as reformas. A reforma tributária está acordada, mas não foi implementada.
Falando em educação, a reforma do ensino médio, aprovada no governo de Michel Temer, não foi implementada pelo governo Bolsonaro. Aliás, a educação foi uma tragédia. Sem falar da questão ambiental.
Não tenho nenhuma expectativa de que ele possa fazer algo muito diferente daqui para frente.
Mas a minha maior preocupação com o Bolsonaro é como ele lida com a parte institucional, com a democracia. Ele é uma ameaça, e o Brasil não pode viver sob ameaça.
P. – Qual o seu cenário para a economia no ano que vem?
PP – Vai ser um ano difícil. Sem grande crescimento. Vamos ter de discutir como fazer a transição diante das dinamites deixadas pelo governo atual. O cenário internacional sinaliza recessão, ou ao menos baixo crescimento nos Estados Unidos. E ainda tem a guerra na Ucrânia, que está indefinida. Não vai ser fácil em 2023, nem em 2024.
P. – O sr. notou que traçou um cenário de transição como se Lula já tivesse sido eleito?
PP – [risos] Eu não tenho capacidade de análise eleitoral. Talvez aqui eu tenha manifestado o cenário que eu acho melhor.