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Greve nas principais refinarias da França pode ser presságio de inverno caótico na Europa

A cidade portuária de Le Havre, no Norte da França, fica a menos de 40 quilômetros de duas grandes refinarias de petróleo. Mas, na sexta-feira, as bombas de muitos postos de gasolina estavam lacradas e com as marcações eletrônicas de preço piscando todos os noves. Havia pouco combustível.

Em toda a França, um terço dos postos de gasolina estão total ou parcialmente secos, vítimas de uma greve que se alastrou para a maioria das principais refinarias do país, bem como para algumas usinas nucleares e ferrovias, oferecendo uma prévia de um inverno de descontentamento com a inflação e a escassez de energia que ameaçam minar a estabilidade da Europa e sua frente ampla contra a Rússia por sua guerra na Ucrânia.

No mínimo, a greve já emergiu como a primeira grande crise social do segundo mandato de Emmanuel Macron na Presidência, enquanto cresce a mobilização por uma greve geral na terça-feira, alavancada pelo reivindicação dos trabalhadores das refinarias de receberem uma parcela maior dos lucros crescentes das gigantes do petróleo TotalEnergies e Exxon Mobil.

A crescente agitação social é exatamente o que os líderes europeus temem quando a inflação atinge seu nível mais alto em décadas, provocada em parte pelo estrangulamentos nas cadeias de suprimentos globais em decorrência da pandemia, mas também pelo impacto crescente da guerra econômica entre a Europa e a Rússia no contexto da invasão da Ucrânia.

Ansiedade econômica

 

A ansiedade econômica pode ser sentida em toda a Europa, com grandes protestos em Praga, a maior greve ferroviária no Reino Unido em três décadas, bem como paralisações de motoristas de ônibus, funcionários de call center e defensores públicos. Trabalhadores de companhias aéreas na Espanha e na Alemanha entraram em greve recentemente, exigindo aumentos salariais para compensar o aumento do custo de vida.

Na França, as greves tocaram um ponto nevrálgico da disparidade cada vez maior entre os ricos e as classes em dificuldades, bem como a preocupação crescente de sobreviver ao frio do inverno que se aproxima.

O movimento nas refinarias francesas começou no final de setembro, mas trabalhadores em metade das oito unidades do país continuam parados por aumento salarial e participação nos enormes lucros que as empresas tiveram nos meses recentes, por causa do aumento da gasolina.

— O dinheiro existe e deve ser distribuído — disse Pascal Morel, chefe em Le Havre da Confederação Geral do Trabalho (CGT), o segundo maior sindicato da França, que lidera as greves.

A população demorou para perceber, mas foi acordada para o efeito da greve nesta semana, quando bombas de gasolina em todo o país ficaram sem combustível, forçando motoristas a buscar — às vezes por horas — postos que ainda estavam abertos e a enfrentar longas filas. Relatos de brigas entre motoristas enfurecidos ecoaram no noticiário.

Em Le Havre, como no resto do país, os moradores revelaram sentimentos contraditórios sobre as greves. Alguns expressaram solidariedade com os trabalhadores, enquanto outros reclamaram de como um pequeno grupo mantinha todo o país refém. Em ambos os lados, porém, muitos temiam que a greve se espalhasse.

— Vai paralisar a França e garanto que não precisa disso — disse Fatma Zekri, de 54 anos, contadora desempregada.

Eco dos coletes amarelos

 

Para Macron, uma greve geral apresenta perigos óbvios, com ecos do movimento dos coletes amarelos — protestos que começaram em 2018 como uma revolta contra impostos mais altos sobre os combustíveis. O movimento pode ter se dissipado, mas sua raiva não.

A questão dos “superlucros” agitou o Parlamento, com deputados da oposição, tanto da esquerda quanto da direita, exigindo que as empresas que tenham lucros extraordinários sejam tributadas, para beneficiar a população em geral.

Durante a primeira metade do ano, a Total teve um lucro de US$ 10 bilhões (R$ 53 bilhões) e a Exxon Mobil faturou US$ 18 bilhões (R$ 96 bilhões). As empresas ocidentais de petróleo e gás têm lucros recordes graças aos altos preços da energia. Um acordo recente na Opep para cortar a produção de petróleo provavelmente aumentará ainda mais os preços.

No início desta semana, a Exxon Mobil anunciou que havia chegado a um acordo com dois dos quatro sindicatos representados em suas refinarias, “com o desejo de pôr fim às greves com urgência e responsabilidade”. Mas o aumento salarial foi um ponto percentual menor e com metade do bônus que a CGT havia exigido.

Já a Total disse em nota que a empresa continua buscando “uma compensação justa para os funcionários”. Na sexta-feira, dois sindicatos da Total anunciaram que chegaram a um acordo para um aumento salarial de 7% e um bônus. Mas a CGT, que exigiu um aumento de 10%, desistiu da negociação e disse que continuaria a greve.

Tributação de lucros

Até o momento, Macron vinha relutando em tributar os lucros extraordinários das gigantes do petróleo, temendo que isso prejudicasse o apelo do país para os investidores e preferindo que as empresas fizessem o que ele chamou de “contribuição”.

Mas, na semana passada, o governo introduziu uma emenda à sua lei de finanças, de acordo com as novas diretrizes da União Europeia, aplicando um imposto temporário aos produtores de petróleo, gás e carvão que tenham lucrado 20% a mais em suas operações francesas do que nos últimos anos.

Na quinta-feira, o ministro das Finanças da França, Bruno Le Maire, também pediu à Total que aumente os salários dos seus trabalhadores. E anunciou que 1,7 bilhão de euros (R$ 8,8 bilhões) serão destinados para ajudar os motoristas se os preços dos combustíveis continuassem a subir.

— É uma empresa que agora está obtendo lucros significativos — disse Le Maire à rádio RTL. — A Total pagou dividendos, então a distribuição de valor na França deve ser justa.

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