Fala de Bolsonaro não dá fim a bloqueios em rodovias, mas movimento golpista chega menor ao 3º dia
O primeiro discurso do presidente Jair Bolsonaro (PL) após ser derrotado nas eleições frustrou quem esperava que o mandatário pedisse explicitamente a desmobilização de bloqueios de rodovias, feitos por apoiadores que contestam sem provas o resultado das urnas e pedem um golpe.
O chefe do Planalto disse na tarde desta terça (1º) que o movimento é “fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral” –respaldando o movimento golpista. Em seguida, disse, porém, que os métodos de seus apoiadores “não podem ser os da esquerda” e nem incluir o cerceamento do direito de ir e vir.
Após a fala do presidente, manifestantes reunidos na rodovia Castelo Branco (SP), prometeram continuar bloqueando a via. “Vamos perseverar. Cremos em uma revolução até janeiro”, disse uma participante. Em grupos no Telegram e nas redes sociais, o discurso também foi interpretado como um apoio às mobilizações golpistas.
“Não abandonemos as ruas. Ao contrário, continuemos firme, pois penso que nas entrelinhas desse discurso possa haver algo”, disse um apoiador.
“Em nenhum momento, ele falou que não é para manifestar. Esse é o sinal que ele nos deu”, disse outro. “O recado ele deu: manifestação pacífica sem trancar as passagens.”
Apesar de alguns bloqueios ordenados nesta terça pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), vários grupos permanecem ativos com convocações golpistas.
Com isso, os bloqueios chegam ao terceiro dia, com manifestantes prometendo manter as interdições.
O número de ações em rodovias nesta terça (que vinha aumentando ao longo do dia) diminuiu ligeiramente ao longo da tarde. Eram 235 pontos de obstrução registrados antes da fala e 213 no boletim seguinte, divulgado após o pronunciamento (o pico, 421, foi registrado na noite de segunda-feira). Por volta das 4h da madrugada dest quarta (2), a PRF disse que havia 164 bloqueios em 17 estados.
Os registros, segundo a PRF, são no Acre (5), no Amazonas (3), na Bahia (1), no Espírito Santo (6), em Goiás (3), em Minas Gerais (12), em Mato Grosso (30), em Mato Grosso do Sul (2), no Pará (18), em Pernambuco (3), no Paraná (9), em Rondônia (15), em Roraima (1), no Rio Grande do Sul (2), em Santa Catarina (37), em São Paulo (8) e em Tocantins (9).
As mobilizações continuam mesmo após o STF (Supremo Tribunal Federal) ameaçar multar em R$ 100 mil e até prender o diretor-geral da PRF (Polícia Rodoviária Federal), Silvinei Vasques, se não houver medida efetiva da corporação para liberar as vias.
A decisão havia sido tomada em caráter liminar pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, na noite desta segunda (31), e foi referendada pela maioria da corte já durante a madrugada de terça, em sessão virtual.
Moraes também autorizou nesta terça o uso da Polícia Militar, inclusive em rodovias federais, para desobstruir os bloqueios. As PMs, afirmou, devem adotar “as medidas necessárias e suficientes, a critério das autoridades responsáveis dos Poderes Executivos Estaduais, para a imediata desobstrução de todas as vias públicas que, ilicitamente, estejam com seu trânsito interrompido.”
Ele também determinou a prisão por flagrante delito das pessoas que estiverem praticando crimes contra o Estado democrático de Direito. Foram intimados ainda os governadores dos estados e do Distrito Federal, além dos comandantes-gerais das PMs e procuradores-gerais de Justiça dos Ministérios Públicos estaduais.
Após a ordem de Alexandre de Moraes, governadores e as polícias militares dos estados começaram a atuar na desobstrução de rodovias bloqueadas por protestos de cunho golpista. Até a noite desta terça, seis estados haviam começado a desobstruir as estradas —Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Roraima e Pará.
Em alguns casos, houve confronto entre as forças policiais e manifestantes. Na BR-116 próximo a Novo Hamburgo, na zona metropolitana de Porto Alegre, a PRF desistiu de negociar e, diante da resistência dos bolsonaristas, a tropa de choque da Brigada Militar usou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar o grupo.
“Sobre os bloqueios ilegais que ocorrem nas estradas do RS, minha ordem às forças de segurança estaduais é para agir e efetuar os desbloqueios de forma imediata, conforme indica a lei”, escreveu o governador do estado, Ranolfo Vieira Júnior (PSDB), no Twitter.
Em São Paulo, a Tropa de Choque foi acionada para desobstruir a rodovia Castelo Branco, que chegou a usar bombas de gás lacrimogêneo e disparar balas de borracha. Os manifestantes se dispersaram, mas voltaram a se aglutinar posteriormente.
Apoiador de Bolsonaro, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), afirmou que em vídeo em suas redes sociais que solicitaria o desbloqueio das vias.
“A eleição já acabou e agora nós temos que assegurar o direito de todos de ir e vir, e também que as mercadorias cheguem onde precisa, para não haver desabastecimento. Vamos cumprir a lei”, disse Zema.
No Párá, no entanto, o MPF (Ministério Público Federal) do estado afirma, em ofício enviado à Procuradoria-Geral da República, que a corporação não tem cumprido a decisão do STF.
“A Polícia Rodoviária Federal não se desincumbiu de seus deveres constitucionais e legais até o presente momento e igualmente não logrou justificar cabalmente o insucesso das suas ações”, diz o ofício, assinado por 20 membros do MPF. Eles pedem o envio das informações ao STF.
Criticado por não intervir nos bloqueios, o diretor-geral da PRF afirmou em justificativa enviada a Moraes nesta terça que as manifestações bolsonaristas em rodovias assumiram proporções que “o efetivo ordinário não consegue, por contra própria, resolver” e haveria necessidade de “mobilização extraordinária de servidores”.
“Importa ainda destacarmos que, para além do fato de serem vários pontos de interrupção, espalhados por vários estados brasileiros, não se trata de uma manifestação de caminhoneiros e nem mesmo de uma categoria isolada, mas sim de um grupo de pessoas de classes e idades variadas, unidas por laços ideológicos/políticos específicos”, afirmou Vasques em ofício.
“Em alguns casos, as aglomerações ultrapassam 5.000 pessoas, sendo utilizados tratores, carros de passeio, táxis, mototáxis, entre outros”, completou o diretor-geral da PRF.
Ele frisou que o acionamento de todo o efetivo disponível do órgão e o amparo das PMs, autorizado por Moraes, não se mostraram suficientes para a desobstrução “dos mais de 400 pontos de bloqueio” e informou que pediu também ao ministro da Justiça, Anderson Torres, a ajuda da Força Nacional.
Vasques também determinou que as superintendências regionais da corporação informem placas e nomes dos proprietários dos caminhões envolvidos nos protestos. Os dados serão enviados a Moraes para inclusão no inquérito dos atos antidemocráticos do 7 de Setembro de 2021.
Sem prever fim de bloqueios, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) disse que já houve 182 autuações por obstrução de rodovias ou por organização de bloqueios e também prisões. Entretanto, não houve detalhamento de quantas pessoas foram presas e em quais locais.
Além disso, a PRF disse que já identificou os agentes que participaram de três vídeos falando que a ordem seria para só estar no local, sendo dois vídeos em Santa Catarina e um em São Paulo.
A Folha teve acesso a vídeos em que os policiais federais dizem que não vão fazer nada em relação aos bloqueios. Em uma das imagens gravadas em Palhoça (SC), um policial diz que a ordem é somente estar no local.
Segundo a PRF, os policiais não foram afastados das funções, mas devem responder por processos administrativos. As informações foram divulgadas em coletiva de imprensa nesta terça-feira (1°).
Integrantes do Ministério Público Federal, em diferentes escalões da instituição, cobraram do procurador-geral da República, Augusto Aras, “atuação enérgica” no enfrentamento aos protestos bolsonaristas. Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) também intensificaram nos bastidores as cobranças ao PGR.
Em um dos ofícios enviados a ele nesta terça-feira (1º), subprocuradores da República manifestaram “grave preocupação” com os atos desencadeados país afora.
“Esse estado de coisas inconstitucional não pode ter como resposta o silêncio e a inação de agentes públicos aos quais a Constituição da República outorga a competência para defesa da ordem jurídica e do regime democrático, exigindo, pois, a urgente e firme atuação do Procurador-Geral da República”, afirmaram os signatários do documento.