Entenda por que ‘Jeanne Dielman’ pegou cinéfilos de surpresa e foi eleito melhor filme de todos os tempos
Se levarmos em conta as listas tradicionais, é uma surpresa. O filme “Jeanne Dielman, 23, quai du Commerce, 1080 Bruxelles” (mais conhecido como apenas “Jeanne Dielman”) foi eleito o melhor filme da história pela revista de cinema Sight & Sound, editada pelo British Film Institute.
É a primeira vez que o filme da belga Chantal Akerman (1950-2015) aparece na lista, que desde 1952 é organizada a cada 10 anos pela publicação com 1600 jurados (entre cineastas, escritores, críticos e técnicos de cinema). Também é a primeira vez que uma obra dirigida por uma mulher aparece em primeiro. O longa-metragem de 1972 está longe de ser desconhecido — já foi inclusive chamado pelo jornal The Guardian de “a primeira obra-prima feminina da história do cinema”. Ainda assim, a escolha chocou cinéfilos mais acostumada a ver longas como “Cidadão Kane”, “Um corpo que cai” ou “A regra do jogo” no topo.
Na última lista, publicada em 2012, “Jeanne Dielman” estava apenas em 35º lugar. O que explica essa ascensão meteórica nos últimos 10 anos? Sem dúvida um maior reconhecimento do cinema feito por mulheres. Tudo indica que a indústria do cinema busca repensar o universo predominantemente masculino das últimas listas.
Akerman tinha apenas 25 anos quando o dirigiu o filme. Ela se tornaria uma das mais importantes cineastas francófonas pós-nouvelle vague, influenciando diretores como Gus Van Sant. No Brasil, nenhum de seus filmes estreou comercialmente enquanto ela esteve em vida. Filha de uma sobrevivente do Holocausto, Akerman se suicidou em 2015.
“Eu acredito que seja um filme feminista porque dá espaço a coisas que nunca, ou quase nunca, foram mostradas dessa forma, como os gestos diários de uma mulher”, disse certa vez a cineasta.
“Jeanne Dielman” acompanha três dias na vida de uma viúva que vive com seu filho adolescente em um apartamento de Bruxelas. Ela organiza seu tempo de forma minuciosa e sabe o que vai fazer a cada hora do dia.
Três vezes por semana, ela recebe um homem em casa para se prostituir em um determinado horário e, ao que tudo indica, não sabe o que é um orgasmo. No segundo dia em que o espectador a acompanha, porém, seus hábitos começam a se desregrar e o equilíbrio de sua rotina é quebrado até a sequência final.
Embora considerasse seu filme feminista, Akerman recusava esse papel para ela. De acordo com Evangelina Seiler, curadora da exposição “Tempo expandido”, dedicada à cineasta no Oi Futuro do Flamengo em 2018, a belga preferia não se prender a qualquer rótulo que pudesse reduzir sua atuação.
— Tudo na obra de Chantal veio na medida da sua experiência. Quando ela viveu em Nova York, o movimento feminista estava em seu auge, e ela traduziu essa vivência nos filmes — analisa Evangelina. — Da mesma forma, ela trouxe ao cinema sua visão pessoal sobre o racismo ou a questão da imigração.
Veja abaixo os filmes que entraram na lista desta década:
- 1 – “Jeanne Dielman”, de Chantal Akerman (1975)
- 2 – “Um corpo que cai”, de Alfred Hitchcock (1958)
- 3 – “Cidadão Kane”, de Orson Welles (1941)
- 4 – “Era uma vez em Tóquio”, de Yasujiro Ozu (1953)
- 5 – “Amor à flor da pele”, de Wong Kar-Wai (2000)
- 6 – “2001, uma odisséia no espaço”, de Stanley Kubrick (1968)
- 7 – “Bom trabalho”, de Claire Denis (1998)
- 8 – “Mulholland Drive”, de David Lynch (2001)
- 9 – “Um homem com uma câmera”, de Dziga Vertov (1929)
- 10 – “Cantando na chuva”, de Stanley Donen (1952)