— A fundação lida com conhecimento e ele não é de esquerda ou de direita, de uma religião ou outra. É um acervo de conhecimento. Nos cabe é conservar —afirma ele, que recebeu a notícia de sua indicação durante a festa de fim de ano do tradicional bloco baiano.
O senhor está animado com a missão?
Muito. E estou preparado. Há anos luto por igualdade nesse país. Estava junto com o movimento negro na criação da Palmares, acompanhei diferentes gestões, fui conselheiro e ajudei a indicar diretores. Temos a tarefa de reerguer a fundação dentro da principais ideias do presidente Lula e da líder Margareth Menezes: esperança, objetividade e ação cultural na prática.
Margareth vai reinventar esse ministério que existiu nas mãos de Gilberto Gil e Juca Ferreira. Vamos emprestar o conhecimento e a habilidade que temos para tocar a produção cultural, a música, a cooperação internacional para que a Palmares seja útil e preste um serviço como grande fundação nacional que é.
Por onde o senhor pretende começar o trabalho de reconstrução?
O primeiro passo é a restauração do espaço físico. A fundação precisa ficar num lugar decente e que represente os 100 milhões de afrobrasileiros. Em seguida, vêm as definições e as políticas sobre do que Palmares vai tratar. Várias atribuições serão comandadas pelo Ministério da Cultura como um todo. A Palmares poderá focar nas ações que são fundamentais: mulheres, juventude, combate à pobreza e fortalecimento da nossa riqueza cultural.
Quero trazer novas práticas, novas políticas. Proteger as manifestações culturais das diversas parte do Brasil como os tambores de Minas, do Maranhão, de Pernambuco, da Bahia, enfim de todo esse Brasil que tem uma riqueza como poucos países no mundo.
A difusão da cultura negra, uma das principais missões da fundação, passava pelas escolas, por meio de cursos para gestores públicos, professores. O senhor pretende recuperar esse trabalho? Outra função da instituição é reconhecer quilombos. O que planeja fazer na prática?
A luta dos quilombos é histórica e terá que ser mais rápida. Vamos atender às demandas dos quilombos dentro da realidade de recursos da fundação. Com relação à difusão da cultura como programa educacional em escolas, universidades, centros culturais do Brasil…. Foi isso que me levou a essas instâncias do governo federal. Nosso trabalho, meu e de Margareth, é difundir a cultura brasileira para o mundo. É o que mais a fundação precisa fazer.
Vamos buscar parcerias com países africanos, caribenhos, europeus, da América Latina e também estados, municípios. A fundação tem o papel de ser imã, imantar os vários órgãos. Educação e cultura não são separadas. A cultura é um ato educacional.
Muita gente no Brasil desconhece as atribuições da Fundação Palmares. O senhor pretende divulgar melhor o papel da instituição?
Hoje temos ferramentas para difundir as coisas. Ainda precisamos conhecer os objetivos, entender o estado em que está e os recursos que a fundação tem. Mas a verdade é que a gente defende o que conhece. E grande parte da população brasileira não sabia como ela é importante. Tirar Zumbi e o machado de Xangô foi simbólico. Vamos mostrar o que a fundação tem feito e o que pode fazer.
Os governos, no geral, usam mal as redes sociais e os meios de comunicação. A fundação não pode continuar escondida do povo brasileiro. Quantas vezes o presidente da instituição foi a à Bahia, ao Maranhão, em Santa Catarina? Vou andar pelo Brasil e dizer coisas, acrescentar.
O senhor pretende recolocar as personalidades excluídas pela gestão anterior na lista de homenageados e até, quem sabe, fazer um desagravo a elas?
A história brasileira é feita por índios, negros e brancos. Todos que foram defenestrados da Fundação Palmares, além de ganharem desagravo, voltarão ao lugar de heróis do povo brasileiro. Seja na música, na cultura, estejam vivos ou não. Isso não tem nem discussão.
A ideia é fazer uma homenagem coletiva àqueles que sofreram ofensas. Martinho da Vila está com mais de 80 anos, é embaixador da nossa cultura. Benedita, Pelé… E Zumbi também voltará a ter representação. Porque a Palmares sem Zumbi é como a Fundação Getúlio Vargas sem Getúlio ou o Centro Pompidou sem nada que se refira ao ex-presidente francês.
Também pretende recuperar os livros que foram retirados da biblioteca?
Vamos organizar isso. A fundação lida com conhecimento e ele não é de esquerda ou de direita, de uma religião ou outra. É um acervo de conhecimento, nos cabe é conservar.
Há muitos nomes produzindo conteúdo sobre o pensamento negro. Quais os senhor considera imprescindíveis constarem na fundação, entre novos e antigos?
Gosto muito do que a juventude está fazendo, as mulheres negras… Iza, Emicida, Ludmilla, gosto de funk, de reggae. Há muitas ações nas periferias do Brasil. Na literatura, Conceição Evaristo, Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Djamilla Ribeiro.
A gestão da Palmares terá uma linha política?
Terá. Mas ainda não posso dizer que pilares serão antes de falar com a ministra e o presidente Lula. Provavelmente, serão baseados nos valores que o povo validou agora nas urnas: democracia, justiça, igualdade, liberdade. Não se ganhou apenas para tirar e botar alguém, mas para trazer de volta uma democracia que ainda estava sendo construída e foi interrompida.
Servidores de carreira enfrentaram uma situação delicada dentro da instituição nos últimos quatro anos. Houve denúncias de perseguição. O senhor tem conhecimento disso?
Conheço bastante gente lá. Não posso falar muito, ainda vou apurar. Mas farei de tudo para não só apoiar como proteger funcionários com 20, 30 anos de carreira que dedicaram a vida à instituição. A fundação é os seus funcionários.
O martelo de Xangô foi ser retirado da logomarca da instituição, quando a gestão anterior anunciou que promoveria um concurso para escolher um novo símbolo. O senhor vai trazê-lo de volta?
Sou filho de Xangô e as insígnias do orixá voltarão a Palmares, assim como o que tiver de qualquer outra religião. É liberdade religiosa e estado laico. Não é para ficar censurando nada, se não, em todos os lugares onde tiver Bíblia…
Margareth, Silvio de Almeida, Anielle Franco são lideranças negras que assumirão ministérios. É um lugar conquistado com muita luta, um caminho aberto quase a fórceps. Que reflexão pode fazer sobre isso?
Estamos em 2022, não podemos voltar para 1549, quando Salvador foi fundado. Temos que fazer de 2022 para frente, avançando. É do presente para o futuro, sem mágoa, ressentimento, perseguição.
O TCU e a Receita Federal constataram que Margareth Menezes tem uma dívida de mais de R$1 milhão com a União. O que o senhor acha disso? Seria um impedimento para assumir o ministério?
Vejo como uma tentativa de inviabilizá-la. Essa dívida é de uma estrutura que nem tem o nome dela. E vai ser resolvida. Não vejo impedimento. Margareth tem uma vida pública de 35 anos. No mais, o país é devedor, as empresas são devedoras, todo mundo renegocia. O próprio Brasil vai renegociar agora as dívidas de milhões de brasileiros. O país está praticamente insolvente.
Por que o senhor acha que a escolha dela foi, de cara, questionada? Por que ela teve que explicar que era capaz de assumir esse cargo e foi a única indicação, até, agora que passou escrutínio?
Ela é mulher, negra, nordestina e da cultura. É uma visão institucional. A mesma que diz “não tem formação superior”. Muitas pessoas que foram ministras não têm formação superior. Margareth vai tocar o Ministério com brilhantismo. Simboliza o avanço da nossa cultura. Ela foi responsável pela difusão da cultura egípcia. Aliás, a posse dela vai ser sobre esse canto, 35 anos depois de ela ter entoado “Eu falei faraó”.
Se Jorge Amado fosse vivo, diria que Mojubá (saudação de encontro proveniente do candomblé, e convida à compreensão, ao diálogo) está indo para a Bahia. Miguel Arcanjo, de “Tenda dos Milagres”, tratava da luta da capoeira, do candomblé, da cultura popular contra o racismo. Tudo o que está acontecendo é para mostrar ao mundo não só que existimos como, parafraseando Caetano Veloso: “Existirmos a que será que se destina?”. A poesia da igualdade da possibilidade vai chegar a Fundação Palmares.