Covid-19: antiviral molnupiravir pode estar associado ao aparecimento de novas variantes, diz estudo
O antiviral molnupiravir pode estar associado ao surgimento de novas variantes do coronavírus. A conclusão é de um estudo realizado por pesquisadores do Francis Crick Institute e do Imperial College London, ambos no Reino Unido, publicado recentemente em versão pré-print.
O medicamento, produzido pela MSD, foi desenvolvido para matar o vírus induzindo mutações no genoma viral que reduzem sua efetividade e multiplicação. No entanto, algumas pessoas tratadas com o remédio geram novas variantes do vírus que não apenas permanecem viáveis, mas se espalham, de acordo com os cientistas.
A equipe analisou cerca de 13 milhões de sequenciamentos genéticos do Sars-CoV-2, nome oficial do novo coronavírus, publicados na plataforma internacional Gisaid, e procurou mutações que teriam sido causadas pelo medicamento. De acordo com os pesquisadores, isso é possível porque, devido ao seu mecanismo de ação, acredita-se que em vez de induzir mudanças aleatórias no genoma de RNA do vírus, é mais provável que o antiviral cause substituições específicas de ácidos nucleicos.
Os resultados, que ainda precisam ser revisados pela comunidade científica, mostram um grande subconjunto de substituições possivelmente associadas ao medicamento. Todas foram registradas depois que o molnupiravir passou a ser amplamente utilizado. Além disso, essas mutações era até 100 vezes mais comuns em países onde o molnupiravir era amplamente utilizado, como Estados Unidos, Austrália e Reino Unido, do que em países onde não era, como França e Canadá.
— Está muito claro que os vírus mutantes viáveis podem sobreviver [ao tratamento com molnupiravir] e competir [com as variantes existentes] — disse o virologista William Haseltine, presidente da ACCESS Health International, à revista Science. Ele não participou do novo estudo, mas repetidamente levantou preocupações sobre o medicamento.
No entanto, é preciso ressaltar que os pesquisadores isso não significa que essas mutações levarão ao surgimento de variantes mais transmissíveis ou patogênicas. Além disso, à revista Science, Ravindra Gupta, microbiologista clínico da Universidade de Cambridge, disse que o novo estudo não prova que o molnupiravir está causando o surgimento de novas variantes perigosas do SARS-CoV-2.
Em nota enviada ao GLOBO, a MSD disse que “os autores assumem que essas mutações foram associadas ao tratamento com molnupiravir sem evidências de que as sequências virais foram isoladas dos pacientes tratados, confiando em associações circunstanciais entre a origem da seqüência viral e o tempo de coleta da sequência em países onde o molnupiravir está disponível, para tirar suas conclusões”.
Confira o posicionamento na íntegra:
“Dados de ensaios clínicos demonstraram que o uso de molnupiravir resulta em um rápido declínio na infectividade viral. Os autores da pré publicação de Sanderson et al basearam suas pesquisas em sequências divergentes do banco de dados global SARS-CoV-2, capturando mutações de consenso presentes em alta freqüência dentro da população viral. Os autores assumem que essas mutações foram associadas ao tratamento com molnupiravir sem evidências de que as sequências virais foram isoladas dos pacientes tratados, confiando em associações circunstanciais entre a origem da seqüência viral e o tempo de coleta da sequência em países onde o molnupiravir está disponível, para tirar suas conclusões. Além disso, essas sequências eram incomuns, e estavam associadas a casos esporádicos. Estes dados devem ser considerados no contexto de todos os dados clínicos e não-clínicos disponíveis sobre o molnupiravir.”
O molnupiravir foi o primeiro antiviral oral aprovado no mundo para combater a Covid-19. Atualmente, ele está disponível em dezenas de países, incluindo o Brasil. No país, o uso do medicamento foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para para adultos acima de 18 anos que não precisam de ajuda de aparelhos para respirar e que apresentem risco aumentado de progressão da doença em casos graves.
À revista Science, Gupta alerta que essas evidências talvez signifiquem os benefícios do medicamento não superam os riscos.