Os pontos em comum e as diferenças nas crises de Vítor Pereira e de Luís Castro em Flamengo e Botafogo
O destino insiste em aproximar Vítor Pereira e Luís Castro. Os portugueses, que já trabalharam juntos na base do Porto, chegaram ao Brasil na mesma temporada (2022). Este ano, juntos no futebol carioca, atravessam momentos semelhantes. Ambos não conseguiram implementar o trabalho que se espera deles e se veem pressionados antes mesmo do início do Brasileiro.
A dupla dormiu e acordou com as torcidas pedindo suas cabeças. Ao deixar o Maracanã, onde o Flamengo perdera para o Fluminense, Pereira se deparou com uma viatura da polícia em frente ao seu condomínio. Torcedores foram até lá para protestar. Já o muro da sede do Botafogo amanheceu com um pedido de “Fora Castro”.
Para além da nacionalidade dos treinadores, outros elementos unem as duas crises. Se é um fato que nenhum deles conseguiu implementar ideias eficientes em campo, também é verdade que enfrentam obstáculos externos. Entre eles, a impossibilidade de contar com elencos completos.
No Flamengo, Pereira só ganhou um reforço até hoje (Gerson). Além disso, há uma série de jogadores desgastados fisicamente. Alguns são ou foram baixas por lesão (Pedro e, atualmente, David Luiz, Thiago Maia, Bruno Henrique e Varela). Outros são dosados para que estejam inteiros quando forem escalados.
Para complicar ainda mais, desde que chegou ao Flamengo o treinador sabia que o objetivo era refazer um trabalho que batera no teto com Dorival Júnior. Só que, com a decisão de três taças importantes logo de cara (Supercopa do Brasil, Mundial e Recopa Sul-americana), precisou pisar no freio e iniciar os ajustes de forma gradual com o time considerado ideal em 2022. A diretoria prometeu dar o tempo necessário para as novas ideias virem à tona. Mas, sem resultados, o desgaste externo foi inevitável.
A avaliação final sobre esse início de trabalho acontecerá apenas depois do Carioca. Até lá, Pereira deve acelerar a implementação de suas ideias mesmo sem reforços e com machucados. A mudança na escalação em várias posições para o Fla-Flu foi apenas o começo. E não gerou repercussão negativa entre os jogadores. No vestiário após a partida e no dia a dia, há o entendimento de que o trabalho tem elementos bons e que precisa de tempo.
— Nós, se estivéssemos completos, teríamos mais elementos. Tem muita gente de qualidade fora. Quando voltarem, vão trazer qualidade. Estamos trabalhando, focados em fazer a equipe evoluir. A equipe acredita, os jogadores estão com compromisso. Quem trabalha conosco sente essa união, estamos no caminho. Para consolidar o trabalho, a vitória tem que aparecer — afirmou o português após a derrota para o Fluminense.
Só que Pereira sente falta de um voto de confiança vindo de cima. Não há declarações públicas dos responsáveis pelo futebol do Flamengo em relação ao seu trabalho. O vice de futebol Marcos Braz e o diretor Bruno Spindel se mantém reclusos no momento conturbado, e têm sido criticados.
O processo de fritura de seu compatriota também é intenso. Num clube-empresa, onde o ambiente oferece aos treinadores mais tempo, o de Luís Castro já não é mais tão elástico. Sua demissão entrou na pauta após um Estadual em que a performance do time involuiu.
— Temos reavaliações não só do treinador, mas de todos os envolvidos. O foco do clube não é apenas o futebol no momento, mas o futebol precisa entregar — disse o diretor de futebol, André Mazzuco, depois da eliminação precoce no Carioca.
As mudanças sem sucesso promovidas na derrota para a Portuguesa — fazendo o time atuar num 3-4-3 nunca testado até então — reforçaram a ideia de que Castro não consegue fazer o time evoluir. O declínio no desempenho ocorreu contra equipes consideradas mais fracas, como Resende, Sergipe, Portuguesa e o time de garotos do Flamengo.
Mas, assim como Pereira, o técnico do Botafogo personaliza um problema bem mais complexo. O Botafogo sofre ainda mais com a limitação de seu elenco. Os reforços pedidos pelo treinador desde o fim de 2022 não vieram na proporção esperada. Ele queria um goleiro, um lateral, um ponta para cada lado e um atacante mais centralizado. O técnico ainda perdeu algumas peças por venda (casos de Jeffinho e Junior Santos), por lesão ou por suspensão. Sete dos onze titulares no fim de 2022 não atuaram nesta sequência de jogos marcada pela queda de performance.
Como a palavra final é sempre de John Textor, o trabalho ainda sofre com decisões que vão além de Castro. Como a ida à Inglaterra em dezembro, que adiou o início das férias; a manutenção de jogadores que a comissão técnica já sinalizou não ter interesse, a mal planejada pré-temporada nos EUA (cancelada para antecipar a estreia do time principal no Carioca), a reforma do gramado do Nilton Santos (obrigando a equipe a se tornar itinerante) e a indefinição sobre a situação de Cuesta.
Só que o americano, como pichou a torcida no muro da sede, “sumiu”. Um dado que ilustra essa questão é o fato de só ter viajado ao Brasil uma vez em 2023 (contra pelo menos sete em 2022). É claro que o trabalho pode ser feito da Flórida. Mas, neste momento, este distanciamento é mais que simbólico.