Crianças também sofrem com enxaquecas e outras dores de cabeça; saiba o que fazer
Há dois anos, o pequeno Adrián Hueso, aos 10 anos, estava assistindo a um filme na sala de casa, com a cortina aberta, quando sentiu um forte incômodo com a luz que vinha de fora. Apesar da cortina ter sido fechada, seus olhos ficaram vermelhos, e uma dor intensa o abateu. Ele começou a chorar e chegou até a gritar de dor. O menino e sua família vagaram pela rede de saúde por meses, com internações e visitas a vários especialistas, até chegarem a um diagnóstico preciso: cefaleia em salvas (CES) — um quadro clínico raro que, sem tratamento adequado, pode se tornar muito limitante.
As cefaleias são o tipo de dor mais comum em crianças e jovens, com efeitos na qualidade de vida relacionada com a saúde, frequência escolar e funcionamento social. Um estudo na Áustria com cerca de 3.400 estudantes entre 10 e 18 anos encontrou uma prevalência de enxaqueca de 24%; dores de cabeça tensionais (quando os músculos do pescoço e dessa área estão tensos), 22%; e cefaleia indiferenciada (que dura menos de uma hora), 26%. Outro estudo na Espanha, com 1.619 jovens entre 12 e 18 anos, estimou a prevalência de cefaleia recorrente em 30,5% deles.
Uma investigação na Alemanha com 2.700 crianças e jovens entre 6 e 19 anos concluiu que 37% deles sentem dor de cabeça uma vez por mês.
As enxaquecas são, juntamente com as dores de cabeça tensionais, as mais comuns, segundo Ana Camacho, presidente da Sociedade Espanhola de Neurologia Pediátrica. As primeiras, aponta, “são muito frequentes na idade pediátrica”, com prevalência de até 15% antes dos 15 anos.
— Existem diferenças nas manifestações em adultos. Costumam ter uma duração mais curta [entre meia hora e duas horas, quando nos adultos podem ser entre quatro e 72 horas] e descrevem dores frontais e laterais. Mas eles também têm uma rejeição da luz e é uma dor de cabeça que os impede de continuar com o que está sendo feito — explica a especialista.
Nas crianças, a dor é um pouco menos intensa, mas geralmente é acompanhada com mais frequência por outros sintomas, como vertigem, náusea ou tontura, acrescenta Patricia Pozo, neurologista e diretora do Migraine Adaptive Brain Center do Hospital Vall d’Hebron, em Barcelona. Patricia foi a responsável pelo diagnóstico do pequeno Hueso, hoje com 12 anos.
‘Eu vi pequenas luzes’
Carol Vidal, de 10 anos, começou a sentir dores de cabeça após a pandemia. Toda semana ela tinha dois episódios fortes, conta sua mãe, Sonia Matías, e alguns deles a faziam vomitar e ver “pequenas luzes”. Essas luzes são conhecidos como “auras”.
— Essas ‘auras’ são sintomas visuais, sensoriais ou de linguagem que ocorrem antes da dor e as pessoas deixam de ver, perceber ou falar. A imagem é desestruturada de uma forma muito curiosa, que começa no centro e depois sai, como um vidro fosco — explica Patrícia.
Ela sustenta que a enxaqueca é uma doença “geneticamente mediada”. Ou seja, a criança já nasce com uma predisposição genética para sofrer dessa condição.
— É uma doença neurossensorial. É um cérebro mais sensível e que, provavelmente, entra em uma disrupção do sistema devido a alguns gatilhos como fadiga, desregulação de horários ou estresse. Há um impacto hormonal significativo e, depois, há uma condição vascular-inflamatória: eles têm artérias mais permeáveis e flexíveis que fazem com que tudo inflame mais facilmente, o acaba provocando dor — conclui a especialista.
O que fazer?
Carol foi diagnosticada com enxaqueca, assim como sua mãe, que sofre desde os 15 anos de idade, embora seu diagnóstico tenha chegado somente aos 21 — considera-se que uma pessoa tem enxaqueca quando ela sofre pelo menos cinco episódios ao longo da vida. A menina, que já está em tratamento, melhorou, diz a mãe. Agora ela tem um ou dois episódios por mês e o paracetamol é suficiente para tratá-los.
A abordagem terapêutica da enxaqueca infantil é semelhante à dos adultos. Baseia-se numa resposta imediata aos ataques — desde analgésicos simples se o ataque for mais brando, a anti-inflamatórios e triptanos em episódios mais graves — e “sono”, acrescenta Patricia, porque se dormirem depois do ataque se recuperam melhor. Se houver mais de três ataques por mês, diz a neurologista, os médicos já oferecem ao paciente tratamento preventivo, para evitar ou limitar a intensidade desses episódios de dor.
Os médicos também recomendam – e lembram – diretrizes de estilo de vida saudável para prevenir esses episódios, como descansar bastante e manter horários regulares. Precisamente, um estudo espanhol indicou que as dores de cabeça eram mais frequentes naquelas crianças que tinham piores hábitos de sono, não tomavam café da manhã, fumavam, praticavam menos atividade física ou consumiam cafeína.
Dores de cabeça ‘mais raras’
A presidente da Sociedade Espanhola de Neurologia Pediátrica garante que enxaqueca e cefaleia tensional são “motivos frequentes de consulta” e são diagnosticadas sem muitos problemas, mas admite que há cefaleias mais excepcionais, cujo diagnóstico pode ser mais complexo caso não tenham sido observadas anteriormente. O tipo de dor de cabeça que Hueso sofre, por exemplo, é muito mais raro, principalmente entre crianças.
— A cefaleia em salvas já é rara em adultos e em menores é quase excepcional — explica Ana.
As crises duram entre três semanas e três meses. Todos os dias, o paciente pode ter entre um e oito ataques.
— A duração da dor intensa pode durar de 30 minutos a duas horas. Normalmente são estritamente unilaterais e, ao contrário da enxaqueca, o comportamento é mais agitado do que calmo durante o ataque — diz a especialista. Também pode haver, como no caso de Hueso, inchaço no olho ou lacrimejamento.
O tratamento da cefaleia em salvas tem pontos em comum com a enxaqueca: triptanos e anti-inflamatórios podem ajudar, “embora às vezes seja preciso tomar muitos em um dia”, esclarece Patricia. O oxigênio doméstico também é uma terapia usada para tratar o ataque. Desde novembro de 2021, Hueso não teve mais ataques e conseguiu voltar à escola e aos treinos de basquete, interrompidos durante seis meses por causa das crises de dor.
— O diagnóstico tardio gera estresse no paciente e na família. E o surto inicial de Adrián, que começou em abril, só conseguimos controlar em novembro — afirma a neurologista.
A especialista destaca a necessidade de tornar visível que esses tipos de doenças também são possíveis nos menores de idade, mesmo com quadros pouco frequentes, como a cefaleia em salvas. A Sociedade Espanhola de Neurologia (SEN) desenvolveu diretrizes de diagnóstico de dores de cabeça em adultos e crianças para atendimento primário e também para serviços de emergência que buscam facilitar a detecção do tipo de dor de cabeça.
Descartar se é, primeiro, uma cefaleia primária (como a enxaqueca) ou secundária (causada por uma infecção, por exemplo) é fundamental para dar uma resposta terapêutica adequada. Segundo o SEN, 30% dos casos consultados na Espanha para dores de cabeça na infância estão associados a infecções triviais, entre 25% e 30% são dores de cabeça tensionais, até 20% são enxaquecas e menos de 5% estão ligados a condições graves, como infecções ou tumores do sistema nervoso central.