SAÚDE

Fiocruz desmente abandono da produção de vacina da AstraZeneca para Covid no Brasil

Após repercutir nesta semana a notícia de que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) teria abandonado a produção da vacina contra a Covid-19 da Oxford/AstraZeneca no Brasil, depois de mudanças na recomendação pelo Ministério da Saúde, a fundação declarou, nesta sexta-feira, que a fabricação não foi descontinuada.

“Em razão de informações que vêm circulando nas redes sociais e na imprensa sobre Nota Técnica publicada pelo Ministério da Saúde em dezembro de 2022, a Fiocruz esclarece que a vacina Covid-19 (recombinante) produzida pela instituição não foi desautorizada ou descontinuada no país”, disse, em nota.

A suposta descontinuidade repercutiu recentemente junto a uma nota técnica ministério, publicada ainda em dezembro do ano passado, que alterou as recomendações do imunizante no Brasil. Segundo o documento, as doses que utilizam a tecnologia de vetor viral, a da AstraZeneca e da Janssen, passaram a ser orientadas apenas aos maiores de 40 anos. Para os menores, a vacina da Pfizer/BioNTech deve ter preferência.

“As vacinas de vetor viral estão indicadas para uso na população a partir de 40 anos de idade e; em pessoas de 18 a 39 anos de idade, devem ser administradas preferencialmente vacinas COVID-19 da plataforma de RNAm [como a da Pfizer/BioNTech]”, diz a nota, que ressalta: “nos locais de difícil acesso ou na indisponibilidade do imunizante dessa plataforma [RNAm], poderão ser utilizadas as vacinas de vetor viral (Astrazeneca e Janssen)”.

Algumas repercussões da nota alegaram que a mudança teria levado à interrupção da fabricação das doses no país, o que não é verdade. A Fiocruz, produz uma versão da vacina da AstraZeneca 100% nacional, resultado de um acordo de transferência de tecnologia firmado ainda em 2020 entre a fundação e o laboratório.

Um total de 15,8 milhões doses fabricadas totalmente em solo brasileiro já foram entregues ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e disponibilizadas para a população. Há ainda Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) pronto para a produção de mais 38,6 milhões. Ontem, o Ministério esclareceu que a fabricação, embora atualmente tenha menor demanda, não havia sido alterada. É o que reforça a nota da Fiocruz.

“Ao longo de 2021 e 2022 Bio-Manguinhos escalonou sua capacidade produtiva para atender à velocidade de vacinação exigida pelo momento da pandemia. Neste momento, em razão do novo cenário epidemiológico e do quantitativo de imunizantes disponíveis, há um contexto de baixa demanda e a produção foi readequada. No momento, Bio-Manguinhos/Fiocruz está produzindo um novo lote de IFA, que permanecerá em estoque para ser processado prontamente caso necessário”, diz a Fiocruz.

A fundação acrescenta ainda que “permanece com ampla capacidade de produção e poderá retomar o escalonamento quando demandada”. “A linha em que é realizado o processamento final (formulação, envase rotulagem e embalagem) segue produzindo outras vacinas que fazem parte do calendário básico de imunização”, complementa.

Como na fase atual da campanha a maioria das doses necessárias são as do imunizante bivalente da Pfizer/BioNTech, não há mais a alta demanda pelas vacinas da AstraZeneca no Brasil como aconteceu nos últimos dois anos.

Por que o Ministério mudou as recomendações para a vacina da AstraZeneca?

A mudança que indicou não utilizar preferencialmente a dose da AstraZeneca para os menores de 40 anos foi definida em dezembro do ano passado. A decisão foi motivada por uma análise que apontou 98 casos com suspeita de trombose após as doses da vacina da Covid-19 notificados no e-SUS até o dia 17 de setembro do ano passado na faixa etária.

Destes, 34 dos 40 considerados “prováveis ou confirmados” foram relacionados à AstraZeneca. Especialistas ouvidos pelo GLOBO esclarecem, porém, que a incidência dos eventos adversos, de 0,02 casos por 100 mil aplicações, é raríssima. Eles enfatizam ainda a importância do imunizante, da sua segurança e de seus benefícios.

— Observou-se que abaixo de 40 anos há um risco muito baixo de ter a trombose, são eventos raríssimos. No cenário de pandemia em que é preciso vacinar todo mundo, o benefício da proteção supera muito esse risco. Mas agora em que a pandemia melhorou e a doença está em baixa, e nós temos outra vacina que não causa evento adverso e é considerada mais eficaz, como a da Pfizer, nós vamos dar preferência a ela. Isso acontece o tempo todo, não é novo. Sempre que temos vacinas com melhor relação risco benefício nós substituímos — explicou a epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) de 2011 a 2019, em reportagem publicada ontem.

Os médicos reforçam que a vacina é segura e eficaz, mas já que o cenário da Covid-19 no Brasil está melhor, com menos risco de morte associado à doença, é possível fazer esse tipo de reavaliação de qual dose é mais indicada para qual grupo. O risco de trombose é raro em relação à AstraZeneca, mas já que existem unidades da Pfizer no país, não há motivo para deixar de priorizá-las, afirmam.

— O risco de você ter uma trombose ou morrer por Covid-19 era incrivelmente maior do que por qualquer vacina. Porque em cenários de baixa cobertura vacinal, é mais frequente um evento grave consequente da doença do que qualquer um resultante da vacina. Mas no momento que você já tem uma altíssima cobertura vacinal, e você tem acesso a outros imunizantes sem esse risco, você pode analisar o cenário de uma forma diferente — disse o rofessor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e pesquisador da Fiocruz, Julio Croda.

Segundo a conclusão de um estudo conduzido pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, com quase 30 milhões de pessoas, e publicado na revista científica British Medical Journal (BMJ), “as taxas de incidência (de trombose) associadas à infecção por Sars-CoV-2 (vírus da Covid-19) foram muito maiores do que aquelas associadas a qualquer uma das vacinas, com o maior risco ocorrendo na primeira semana após um teste positivo”.

Eles observaram, por exemplo, que em um universo de 10 milhões de pessoas vacinadas com a dose da AstraZeneca, poderiam ser identificados 66 casos de tromboembolismo venoso – quando o coágulo se forma nas veias profundas do corpo. Já para 10 milhões de indivíduos expostos à Covid-19, a incidência sobe para 12.614 ocorrências.

A trombose é um problema que ocorre quando a coagulação do sangue é elevada e forma coágulos em vasos e artérias que impedem a passagem do sangue e, consequentemente, a oxigenação de partes do corpo. Essas barreiras também são chamadas de trombos.

O epidemiologista Pedro Hallal, professor da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, destacou ainda à reportagem que as doses da AstraZeneca e da Janssen não deixaram de ser consideradas seguras e eficazes e, portanto, não tiveram seu aval para uso no Brasil revogado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

— A vacina não foi proibida, desaconselhada ou teve sua efetividade revogada pela Anvisa. Os efeitos adversos, que são raríssimos, são totalmente comuns com qualquer produto medicamentoso. Se tomarmos um paracetamol, basta ver a bula que será observado que existem efeitos adversos, também raríssimos — afirmou.

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