HPV: 4 a cada 10 meninas brasileiras estão desprotegidas do vírus que causa câncer; confira cobertura por estado
A ciência tem avançado no desenvolvimento de novas vacinas para tratar o câncer ou evitar a sua recorrência. A novidade é bem-vinda, especialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) estimar que até 2030 os tumores serão as principais causas de morte no mundo – lista hoje liderada pelas doenças cardiovasculares. No entanto, já existe uma vacina capaz de evitar a ocorrência de diversos tipos de câncer com uma alta eficácia, a contra o papilomavírus humano (HPV).
Mas, embora esteja disponível nos postos de saúde de todo o Brasil, a cobertura com o imunizante está bem abaixo da desejada no país. É o que mostra o novo Boletim Epidemiológico da Secretaria de Vigilância em Saúde e Meio Ambiente, do Ministério da Saúde, divulgado nesta sexta-feira.
Devido às mudanças no público elegível desde a introdução da vacina no Programa Nacional de Imunizações (PNI), não é tão simples de se observar a cobertura contra o HPV como de outras aplicações parte do calendário. Mas, na nova análise, que contemplou todas as doses administradas desde 2013, o ministério constatou que apenas 57,4% das meninas de 9 a 14 anos estão protegidas com as duas doses no Brasil, e 75,9% receberam somente a primeira aplicação.
Os dados, referentes ao consolidado até o fim de 2022, mostra ainda que ,entre os meninos da mesma faixa etária, a cobertura é menor: 36,6% para o esquema vacinal completo e 52,3% com uma dose. Isso significa que 4 a cada 10 meninas, e 6 a cada 10 meninos, estão desprotegidos contra um patógeno associado a diversos tipos de câncer.
“Estudos epidemiológicos têm sugerido que aproximadamente 80% dos indivíduos entrem em contato com algum tipo de HPV em algum momento de suas vidas. A importância como problema de saúde pública da infecção por HPV se dá pela sua elevada frequência e associação a vários tipos de neoplasias, como câncer de colo uterino, de pênis, de vulva, de canal anal e de orofaringe, além de ser responsável pelas verrugas genitais”, destaca o boletim sobre os riscos do vírus.
Hoje, a oferta principal da vacina no PNI é para meninas e meninos de 9 a 14 anos no esquema de duas doses com o intervalo de seis meses entre elas. Mas adultos que não foram imunizados também devem buscar a proteção, segundo recomendação da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). A entidade afirma que não há limite de idade para receber as aplicações, mas estudos sugerem limitação da eficácia após os 45 anos.
Para todos com mais de 14 anos, o esquema é de três doses. O intervalo é de dois meses entre a primeira e a segunda, e de quatro meses entre a segunda e a terceira. A vacina está disponível para a faixa etária na rede privada, porém alguns grupos podem acessá-la pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por meio dos Centros de Referência em Imunobiológicos Especiais (CRIE). São pessoas de até 45 anos imunossuprimidas, transplantadas de órgãos sólidos ou medula óssea, que vivem com HIV e pacientes oncológicos.
O imunizante é quadrivalente, protege contra os quatro principais tipos do vírus: 6, 11, 16 e 18. Embora altamente eficaz, a baixa cobertura não é exclusividade do Brasil. A OMS, em alerta recente, destacou que entre 2019 e 2021, apenas 15% das meninas de 9 a 14 anos se vacinaram. O público feminino é considerado prioritário uma vez que 98% dos casos de câncer de colo de útero são ligados ao HPV.
Esse é o terceiro tipo de tumor mais comum entre as mulheres, responsável por aproximadamente 17 mil novos casos e 6,6 mil mortes ao ano, segundo estimativas mais recentes do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
“É preciso intensificar as estratégias para a vacinação dos escolares e as campanhas de esclarecimentos sobre os benefícios da imunização contra o HPV para homens e mulheres. Priorizar o monitoramento das notícias falsas sobre vacinas nas redes sociais com contrainformação positiva com linguagem clara e acessível e aprimorar os currículos dos cursos da saúde com conteúdo sobre imunização”, diz o boletim do ministério.
O vírus é transmitido por contato direto com a pele ou mucosa infectada, principalmente por meio de relações sexuais. O público-alvo são as crianças justamente pela vacina ter uma eficácia limitada quando tomada já na idade adulta. Além disso, induz uma proteção melhor quando administrada antes do início da vida sexual. O objetivo, portanto, é vacinar enquanto criança para proteger no decorrer da vida.
Desigualdade vacinal
Para aumentar a cobertura em âmbito nacional, um dos desafios apresentado pelo boletim é identificar as causas e possíveis soluções das disparidades observadas entre os estados. No Paraná e em Santa Catarina, por exemplo, o percentual de meninas com a primeira dose chegou a 94,6% e 91,3%, respectivamente. Embora o esquema completo, essencial para garantir a proteção, tenha contemplado apenas 78,6% e 71,4% do público-alvo, estes foram os únicos locais do Brasil em que a dose inicial ultrapassou a marca de 90%, que é o preconizado como cobertura pelo ministério.
Já no Acre, estado com a pior cobertura, apenas 37,2% receberam a primeira aplicação, e 26,3%, a segunda, ou seja, mais de 7 a cada 10 meninas estão desprotegidas. Outra unidade da federação que chama atenção é Roraima. Ele é o terceiro com maior percentual de meninas com a dose inicial (88,2%), porém tem somente 54,2% com o esquema completo – uma discrepância de 34% que coloca o estado como o 15º na lista de mais vacinados completamente.
Além disso, entre os meninos, a cobertura é consideravelmente mais baixa. Alguns dos motivos é a inclusão tardia no público elegível do PNI: apenas em 2017 para os de 11 a 14 anos, e no ano passado para os de 9 e 10. Há também a visão errada por muitas pessoas de que o HPV causa apenas câncer de colo de útero, e portanto não teria riscos para os meninos. No Acre, por exemplo, que também é o pior estado na cobertura masculina, apenas 14,6% receberam a primeira dose, e 10,4% completaram o esquema.
Veja a cobertura por estado: